A antecipação de ICMS nas operações em que não há substituição tributária depende de previsão em lei estadual, decide STF
Yuri Brizon e Vinícius Vasconcelos
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (“STF”), no julgamento do Recurso Extraordinário n. 598.677/RS (“RE 598.677/RS”) em sede de repercussão geral, decidiu que a antecipação, sem substituição tributária, do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”) para momento anterior à ocorrência do fato gerador necessita de lei em sentido estrito, enquanto a substituição tributária progressiva do ICMS reclama previsão em lei complementar federal (tema 456).
O caso paradigma discutia a constitucionalidade de decreto do estado do Rio Grande do Sul que introduziu em seu Regulamento do ICMS regra para recolhimento do diferencial do imposto na entrada de determinadas mercadorias proveniente de outras Unidades da Federação em seu território. Com as alterações promovidas, passou-se a exigir não só o pagamento antecipado do ICMS no momento da entrada no estado gaúcho, mas também o pagamento antecipado da diferença entre as alíquotas interestaduais e as relativas às posteriores saídas tributadas no estado.
Em relação às hipóteses de antecipação do fato gerador do ICMS com substituição – substituição tributária progressiva –, o artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “b” da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (“CRFB/88”) (1) é claro ao exigir lei complementar federal. A discussão se intensifica no caso de antecipação sem substituição, como explica o professor Hugo de Brito Machado (2):
Em relação a algumas mercadorias, alguns Estados praticam também a cobrança antecipada do ICMS, sem substituição tributária. O imposto é cobrado no momento da entrada da mercadoria no território do Estado. Ou é pago no momento da entrada, ou em certo prazo a partir desta, mas sempre independentemente da conta corrente, do sistema de débitos e créditos do imposto.
Neste contexto, entendeu o STF que, ao antecipar o surgimento da obrigação tributária, há também a antecipação, por ficção, da ocorrência do fato gerador da exação, uma vez que, antes de sua ocorrência, não há obrigação tributária nem crédito constituído, ao menos nos moldes gerais fixados pelo artigo 113 do Código Tributário Nacional (3). Portanto, apenas por lei isso seria possível, já que o momento da ocorrência do fato gerador é um dos aspectos da regra matriz de incidência.
Não haveria que se falar, contudo, na necessidade de lei complementar federal para tanto. Isso porque tal requisito seria próprio da substituição tributária progressiva.
Não obstante o entendimento consolidado, há quem vá além e ouse firmar posicionamento no sentido de que a antecipação do ICMS, sem a verdadeira ocorrência da substituição tributária, não se conforma ao estabelecido pela CRFB/88. É o caso do professor Luiz Fernando Mussolini Júnior (4):
A Constituição Federal dispõe uma hipótese de cobrança do imposto antes da ocorrência do fato gerador, no caso da substituição tributária (art. 150, § 7º), e um caso de cobrança da diferença de alíquota quando, na operação interestadual, o adquirente/contribuinte é consumidor final (art. 155, § 2º, VII, VIII).
[...]
Fora de tais hipóteses, o ICMS somente pode ser exigido a partir da ocorrência do fato gerador, que se consubstancia com a saída da mercadoria adquirida na operação interestadual em nova operação. Nesse norte, a exigência do Fisco, no sentido de que a diferença entre as alíquotas interna e estadual do imposto seja paga quando da entrada da mercadoria no estado é ilegal e abusiva.
Márcio Macedo Feitosa (5), por sua vez, sustenta que a exigência do pagamento antecipado de ICMS gera um tratamento tributário mais severo aos bens advindos de outros estados ferindo, assim, o disposto no artigo 152 da CRFB/88, que veda aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.
De fato, a CRFB/88 não prevê a figura da antecipação tributária sem substituição. Ademais, o referido regime não reduz os custos com fiscalização ou simplifica a imposição e a arrecadação, pois a sua adoção não diminui o número de contribuintes ou concentra a tributação em uma determinada etapa, o que demonstra ser uma medida contraproducente para a própria Administração (6).
Apesar disso, o entendimento adotado pelo STF já vinha sendo aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça, como se pode concluir a partir da análise do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.218.374/RS (7) realizado pela sua Segunda Turma.
Por fim, vale ressaltar que o STF também consignou que a delegação genérica presente na legislação local não seria suficiente para autorizar a antecipação do momento da ocorrência do fato gerador pela via de Decreto Estadual.
Mais informações sobre o assunto podem ser obtidas com a equipe de Direito Tributário do VLF Advogados.
Yuri Brizon
Advogado da Equipe Tributária do VLF Advogados
Vinícius Vasconcelos
Advogado da Equipe Tributária do VLF Advogados
(1) BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
(2) MACHADO, Hugo de Brito. O Supremo Tribunal Federal e a Substituição Tributária no ICMS. RDDT nº 87, p. 55.
(3) BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Brasília, 27 out. 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 18 abr. 2021.
(4) MUSSOLINI JÚNIOR, Luiz Fernando. Tributação do Setor Comercial. Série GVLaw. Saraiva. Coordenadores: SANTI, Eurico Marcos Diniz de et all. São Paulo: 2011. p. 41.
(5) FEITOSA, Márcio Macedo. A inconstitucionalidade na antecipação do ICMS sem substituição tributária. 2013. 122 f. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2013. p. 109.
(6) JORGE, Alexandre Teixeira. Reflexões acerca da constitucionalidade da antecipação tributária sem substituição no âmbito do ICMS. 2019. 204 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. p. 171.
(7) AgRg no REsp 1218374/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 17/02/2012.