Nova Lei de Licitações se torna mais uma aliada no incentivo ao desenvolvimento de Programas de Integridade pelas Empresas
Felipe Melazzo e Fernanda Galvão
Como já tratado no artigo “Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos: quando começa a ser aplicada e a quem se destina?” desta Newsletter, foi publicada e sancionada em 1º de abril de 2021 (1) a Lei nº 14.133/2021, “Nova Lei de Licitações” que reúne na forma de normas gerais, disposições relacionadas ao incentivo ao desenvolvimento de Programas de Integridade por parte dos licitantes. Apesar de extremamente importantes, providências voltadas ao controle da corrupção nas licitações e contratações da Administração Pública não são inéditas no ordenamento jurídico brasileiro. O tema já estava previsto em legislações estaduais esparsas, como é o caso do Rio de Janeiro (2) e do Distrito Federal (3).
O Programa de Integridade foi regulamentado no ordenamento jurídico por meio do Decreto nº 8.420/2015 (4) (que regulamentou a Lei nº 12.846/2013, conhecida como “Lei Anticorrupção”). Seu Artigo 41 prevê que os Programas de Integridade consistem no conjunto de normas de condutas, controles internos, procedimentos e ações, isto é, mecanismos a serem empreendidos por pessoas jurídicas com objetivo de detectar, prevenir e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Esclareça-se que a Lei Anticorrupção e respectivo decreto não impõem a obrigação de implementação de um Programa de Integridade por pessoas que interagem com a Administração Pública, mas atenua as penas aplicadas em processos administrativos de responsabilização (“PAR”) conforme previsto no Artigo 5º, § 4º do Decreto 8.420/2015.
A Nova Lei de Licitações trouxe medidas que se relacionam com o desenvolvimento de Programas de Integridade pelos licitantes na contratação com a Administração Pública no §4º, do Artigo 25 e no inciso IV, do Artigo 60.
O § 4º, do Artigo 25, dispõe que os editais de licitação utilizados nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto devem prever que os respectivos licitantes vencedores sejam obrigados a implementarem Programas de Integridade, no prazo de 6 meses contados a partir da celebração do contrato.
A norma, portanto, que impõe a implementação de medidas de compliance pelos licitantes vencedores tem como foco as contratações de obras, serviços e fornecimentos cujo valor estimado supera R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais).
Em outras palavras, as pessoas jurídicas que pretendem contratar com as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes federativos e em todos os poderes do Estado, em contratações de grande investimento econômico, devem apresentar um Programa de Integridade já no início do processo licitatório ou implementá-lo em até 6 meses contados da contratação.
Tal implementação deverá acontecer conforme regulamento, que segundo o texto legal, será publicado futuramente e disporá sobre as medidas a serem adotadas no processo licitatório, bem como a forma de comprovação do cumprimento e as penalidades, caso haja a sua inobservância. Acreditamos que o regulamento a ser expedido sobre a forma de implementação dos Programas de Integridade na Nova Lei de Licitações seguirá as normas já impostas pelo Decreto 8.420/2015, que dispõe de forma detalhada sobre os parâmetros que um programa deve conter em seu Artigo 42, dos quais podemos citar: o comprometimento da alta direção da pessoa jurídica com a aplicação do Programa de Integridade, a implantação de canais de denúncias de irregularidades amplamente divulgados, avaliação periódica dos riscos da pessoa jurídica, dentre outros.
Além do Artigo 25, a Nova Lei de Licitações traz no seu Artigo 60, inciso IV, medidas relacionadas ao Programa de Integridade, mas dessa vez relacionadas a outra fase do processo licitatório, o julgamento das propostas. Assim, conforme o referido dispositivo, caso haja empate entre duas ou mais propostas, o desenvolvimento pelo licitante de um Programa de Integridade em conformidade com os órgãos de controle será um dos critérios de desempate a ser utilizado pela Administração Pública nas licitações.
Diante do que foi exposto, tem-se que a Nova Lei de Licitações, apesar de não inaugurar no ordenamento jurídico brasileiro a previsão legal do controle da corrupção nas licitações e contratações com a Administração Pública, dá passo importante na regulamentação do tema, na medida em que eleva tais providências ao status de norma geral, aplicável para todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e os seus futuros licitantes.
Nesse sentido, a partir das novas regulamentações trazidas pela Lei nº 14.133/2021 a implementação de Programas de Integridade por parte daqueles que se propõem a contratar com a Administração Pública, seja qual for o nível federativo, ganha ainda mais importância.
Vale lembrar que o decreto que regulamentou a Lei Anticorrupção mencionado anteriormente é claro em prever que o Programa de Integridade deve ser efetivo (art. 41, § único). Dessa forma, os Programas feitos apenas para demonstração de cumprimento da Lei, ou seja, que não funcionam na prática, conhecidos como “programas de prateleira” provavelmente não serão considerados para fins de diminuição das penas.
Para que os Programas de Integridade consigam ser efetivos é preciso que sejam feitos com base nas atividades exercidas pela pessoa jurídica, considerando às leis a que estão submetidas, e mais importante do que isso, que seja construído com base nos riscos das atividades de cada pessoa jurídica.
Nesse sentido, é evidente que as pessoas jurídicas que têm grande interação com agentes públicos, como em licitações, estão mais expostas aos riscos de corrupção previstos na Lei Anticorrupção. Logo, para essas pessoas, o Programa de Integridade precisa ser mais robusto, com regras que na prática evitem a ocorrência de corrupção, ao passo que, as mesmas regras e controles se aplicados para pessoas jurídicas que não participam de licitações para contratação com poderes públicos não faça sentido.
Portanto, para que haja efetividade, o Programa de Integridade deve ser feito sob medida, com base nos riscos, especificidades, porte de cada pessoa jurídica, grau de interação com agentes públicos, enfim, conforme os parâmetros previstos no Artigo 42, do Decreto 8.420/2015.
O VLF Advogados possui uma equipe especializada no atendimento de compliance e desenvolvimento de Programas de Integridade. Caso queira saber mais sobre esse assunto ou precise do apoio e atuação, entre em contato conosco.
Felipe Melazzo
Advogado da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Fernanda Galvão
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) BRASIL. Diário Oficial da União. Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em: 16 abr. 2021.
(2) No caso do Rio de Janeiro, a Lei nº 7753 de 17 de outubro de 2017, estabeleceu em seu Artigo 1º a exigência “do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado do Rio de Janeiro, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias”.
(3) No caso do Distrito Federal, o Artigo 1º da Lei nº 6.112 de 02 de fevereiro de 2018, alterado pela Lei 6.308 de 13 de junho de 2019 dispôs acerca da “a obrigatoriedade de implementação do Programa de Integridade em todas as pessoas jurídicas que celebrem contrato, consórcio, convênio, concessão, parceria público-privada e qualquer outro instrumento ou forma de avença similar, inclusive decorrente de contratação direta ou emergencial, pregão eletrônico e dispensa ou inexigibilidade de licitação, com a administração pública direta ou indireta do Distrito Federal em todas as esferas de poder, com valor global igual ou superior a R$ 5.000.000,00”.
(4) BRASIL. Diário Oficial da União. Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8420.htm#:~:text=1%C2%BA%20Este%20Decreto%20regulamenta%20a,1%C2%BA%20de%20agosto%20de%202013%20. Acesso em: 16 abr. 2021.