Entenda melhor o funcionamento dos airbags e o posicionamento dos Tribunais nas ações que envolvem tal item de segurança dos veículos
Tamires Fernandes, Raphael Silva e Matheus Monteiro
O airbag é um item de segurança que passou a ser obrigatório para condutor e passageiro do banco dianteiro nos veículos produzidos no Brasil a partir de 2014 (1). Nem todo mundo, porém, conhece os detalhes de seu funcionamento, o que pode gerar uma expectativa equivocada quanto ao acionamento desse dispositivo.
Para ser acionado, o airbag depende de inúmeros fatores que, conjuntamente, proporcionam a abertura das bolsas de ar estrategicamente posicionadas no veículo quando o nível de proteção dos cintos de segurança é ultrapassado. Trata-se de um sistema inteligente, dotado de sensores e processadores que interpretam o choque de acordo com a sua desaceleração e ângulo.
Cada sistema tem condições de acionamento bem definidas. Assim, ao contrário do que se imagina, este componente não deve ser deflagrado em qualquer tipo de colisão.
No caso do airbag frontal, por exemplo, é indispensável a existência de uma desaceleração de grande magnitude na direção do deslocamento do veículo. Isso, porém, não ocorre nas hipóteses de capotamento, quando a energia cinética do automóvel é dissipada gradualmente, em diversos sentidos. Da mesma forma, não há desaceleração severa suficiente para a deflagração do airbag em situações como choque lateral ou traseiro, choque frontal leve, saída de pista, choque contra elementos móveis ou que penetrem no veículo.
O tensionamento do cinto de segurança é um dos indicativos da desaceleração do veículo. Quando a desaceleração é pequena e o cinto de segurança é suficiente para evitar o impacto do motorista contra o painel, o sistema normalmente não é acionado. Isso ocorre porque a força de deflagração do airbag pode causar ferimentos mais graves do que aqueles eventualmente decorrentes da colisão de baixo impacto, quando o cinto garante a segurança do condutor e dos passageiros do veículo. Daí ser imprescindível o uso correto do cinto, principal equipamento de segurança dos automóveis, por absorver até 60% da energia envolvida nas colisões frontais, garantindo a segurança do condutor e dos passageiros em mais de 90% dos casos (2).
Em resumo, o airbag é um item planejado para atuar em conjunto com o cinto de segurança e em determinadas hipóteses de colisão. Por não saberem dessas circunstâncias, muitas pessoas acreditam que o não acionamento do airbag em caso de acidente seria um problema de fabricação. Há diversos pedidos de indenizações no Judiciário com esse tema, muitas vezes lastreados na falsa crença de que o airbag deveria ser acionado em qualquer tipo de colisão.
Contudo, os Tribunais costumam compreender bem o funcionamento deste item, indo a fundo nos detalhes da colisão, para concluir se houve ou não vício de fabricação. Em Minas Gerais, a Justiça Estadual já reconhece que a “ausência de acionamento dos ‘airbags’ por ocasião do acidente, por si só, não significa falha ou defeito no equipamento, porquanto tal sistema de segurança é complexo, e somente é acionado de acordo com as condições técnicas para tanto” (3). Outros Tribunais, a exemplo de São Paulo (4) e Rio de Janeiro (5), têm decisões na mesma linha.
Nesse tipo de litígio, portanto, o consumidor que pretende questionar o funcionamento do dispositivo deve comprovar não só a colisão, mas a ocorrência de todas as circunstâncias que levam ao acionamento dos airbags (6) (7) (8). Sem essa prova, não é possível afirmar que há um defeito de fabricação, já que o sistema não deve ser acionado em qualquer tipo de colisão, como visto acima.
Mesmo quando o airbag é objeto de recall, não há presunção de vício de fabricação quando tal item de segurança não é deflagrado em determinada colisão. O recall é apenas um modo pelo qual o fabricante informa, publicamente, que seu produto pode apresentar riscos (9), para “evitar futuras complicações”. A simples participação em campanha de recall não significa, necessariamente, que há efetivamente o vício ou que há direito do consumidor à indenização (10). O que importa é a presença (ou não) das circunstâncias que levam ao acionamento do airbag, sendo que, na falta delas, o não-acionamento deve ser interpretado como funcionamento normal e esperado.
O que se conclui, portanto, é que o airbag é um sistema de segurança secundário e complexo, que exige a presença de situações específicas e bem definidas para ser acionado. Assim, antes de supor a falha do conjunto de segurança, é preciso verificar se ocorreram todas as condições de disparo indicadas no manual do veículo.
Tamires Fernandes
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Raphael Silva
Trainee da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Matheus Monteiro
Estagiário da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Conforme previsão do art. 105, VIIda lei de nº11.910/2009.
(2) POGGETTO, Priscila Dal. Uso do cinto é determinante para airbag cumprir função. Disponível em: http://g1.globo.com/carros/noticia/2010/08/uso-do-cinto-e-determinante-para-airbag-cumprir-funcao.html. Acesso em: 26 abr. 2021.
(3) TJMG - Apelação Cível 1.0433.13.021834-3/001, Relator(a): Des.(a) Marcos Henrique Caldeira Brant, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/02/2019, publicação da súmula em 15/03/2019.
(4) TJSP - Apelação Cível 1026799-98.2015.8.26.0564; Relator (a): Morais Pucci; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/07/2020; Data de Registro: 15/07/2020.
(5) TJRJ, 1ª Câmara Cível, Apelação 0004895-87.2016.8.19.0050, Des. Custódio de Barros Tostes, 14/07/2020.
(6) TJMG - Apelação Cível 1.0607.16.005899-8/001, Relator(a): Des.(a) Amauri Pinto Ferreira, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/08/2019, publicação da súmula em 09/08/2019 / TJMG - Apelação Cível 1.0607.17.003506-9/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/07/2019, publicação da súmula em 04/07/2019.
(7) TJSP - Apelação Cível 1013400-57.2016.8.26.0114; Relator (a): Francisco Occhiuto Júnior; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/02/2021; Data de Registro: 03/02/2021.
(8) STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 1.849.570 - SE (2019/0346500-4), Relatora (Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 06/02/2020).
(9) A partir do recall, a Fabricante convoca os consumidores a fim de que estes disponibilizem o veículo para avaliação e, caso venha a apresentar o possível inconveniente, seja promovida a devida reparação, sem qualquer ônus. É procedimento meramente preventivo, que obviamente não é prova da existência de vício de fabricação no veículo.
(10) TJMG, 14ª CÂMARA CÍVEL, Apelação Cível: 1.0384.16.005958-8/001, Relator Marco Aurelio Ferenzini, 21/02/2020.