A busca da melhoria do ambiente de negócios no Brasil através da simplificação do Registro do Comércio
Gabriella Gati Ferreira e Pedro Ernesto Rocha
A demanda pela simplificação dos serviços de registro empresarial é contínua. Investidores, clientes e colegas advogados sabem que há pontos a serem aperfeiçoados, em especial no que diz respeito à eficiência técnica do serviço das Juntas Comerciais (1).
A Junta Comercial do Estado de Minas Gerais é pioneira na implantação do Registro Digital, e funciona cem por cento on-line para praticamente todos os seus serviços. A partir desta iniciativa, outras Juntas Comerciais ao redor do país têm adotado sistemas semelhantes, de modo que, do ponto de vista da interação procedimental com o usuário, de fato, é possível dizer que o Brasil tem avançado bastante.
Sob a ótica legislativa, o esforço de modernização – em especial no que toca à referida interação procedimental entre usuário e entes cadastrais – tem como marco o ano de 2007, quando foi promulgada a Lei nº 11.598/2007, chamada “Lei do Redesim”, cujo objetivo primeiro era integrar as esferas cadastrais de um negócio, de modo que os empresários e as sociedades empresárias pudessem se inscrever nas Juntas Comerciais, na Receita Federal do Brasil, nas Secretarias de Estado de Fazenda e nas Secretarias Municipais de Finanças por meio de um procedimento único (2) (3).
Na sequência, houve a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que trouxe alterações à Lei do Redesim e à Lei de Registro do Comércio (Lei nº 8.934/1994), responsável por criar o arcabouço normativo do registro empresarial. Em relação ao Registro do Comércio, o sentido das modificações realizadas pela Lei da Liberdade Econômica foi um só: facilitar os procedimentos.
E, agora, na mesma toada, tem-se a Medida Provisória nº 1.040, de 30 de março de 2021 (“MP 1.040”). As principais mudanças dessa norma seguem abaixo sumarizadas:
(1) Alteração do artigo 4º da Lei do Redesim (4) e revogação dos §§1º a 5º do mesmo dispositivo, de modo a incluir a possibilidade de realização da consulta prévia de viabilidade locacional e de nome empresarial, pelo empresário, de forma automática, como forma de diminuir as etapas necessárias para o registro.
(2) Alteração do artigo 6º da Lei do Redesim (5), para instituição da emissão automática de alvará para atividades de médio risco, sendo dispensada a análise humana.
(3) Inclusão do artigo 11-A à Lei do Redesim (6), que determina que os entes cadastrais não poderão requerer do usuário dados adicionais – àqueles que já são declarados no DBE – para inscrevê-lo, devendo a Receita Federal do Brasil compartilhar dados com os demais entes.
(4) Alteração do artigo 63 da Lei de Registro do Comércio, para ampliar a dispensa do reconhecimento de firma também para as procurações.
(5) Revogação do artigo 60 da Lei de Registro do Comércio, extinguindo o cancelamento administrativo de empresários e sociedades empresárias em razão de inatividade (que, no conceito da norma, significa ausência de arquivamento de ato na Junta Comercial).
Percebe-se, novamente, a intenção do legislador em desburocratizar o procedimento registral/cadastral.
Mas a qualidade de um sistema de registro não passa só pelos seus procedimentos. Passa, também, pela eficiência técnica na aplicabilidade desses procedimentos e nas análises jurídicas formais que devem ser conduzidas pela Junta Comercial para o deferimento do registro de um ato societário.
Neste sentido é que, permeando as iniciativas legislativas acima descritas, outras medidas foram sendo tomadas na esfera infralegal, dentre as quais se destacam as revisões das Instruções Normativas do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI (anteriormente Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC) (7), as quais têm por objetivo padronizar a prestação de serviços pelas Juntas Comerciais, notadamente no que concerne ao padrão técnico do serviço.
A ideia é a de que as Juntas Comerciais e os empresários e sociedades empresárias tenham um guia que lhes ajude a navegar nos procedimentos registrais, de modo que, de um lado, as Juntas Comerciais atuem de maneira orgânica e padronizada, observando determinados parâmetros de análise dos atos; e, de outro, os usuários não sejam surpreendidos com parâmetros de análise que divergem dependendo da Junta Comercial responsável pela análise, e, pior, divergem dependendo do analista encarregado da análise.
E é exatamente esse ponto que parece precisar de aprimoramento. Primeiro no que diz respeito às próprias Instruções Normativas, que, muitas vezes, ao invés de regular um comando legal, acabam extrapolando-o e criando regras (legislando). E, segundo, no que toca à própria interpretação das disposições normativas.
Veja-se um caso recente como exemplo. Foram apresentados a registro duas atas de assembleia geral extraordinária praticamente idênticas, cada uma em uma Junta Comercial distinta. Essas atas deliberavam pela eleição de administradores. Uma Junta Comercial deferiu o registro sem quaisquer tipos de apontamentos ou exigências prévias; a outra Junta Comercial indeferiu o registro, alegando que as atas que elegem administradores necessariamente devem fixar a remuneração dos eleitos, nos termos do artigo 152 da Lei nº 6.404/1976 (“Lei das S.A.”) e das Seções II e III, itens 5.1 da Instrução Normativa 81, Anexo V (“IN 81”).
Ora, o que o referido dispositivo legal diz é que a assembleia geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores, mas não impõe qual assembleia deverá fazê-lo. A IN 81, ao tratar das eleições de administradores, extrapola o comando legal e diz que a ata da assembleia deverá apresentar: “qualificação completa dos administradores é necessária mesmo no caso de reeleição, bem como o prazo de gestão dos eleitos (§ 1º do art. 146 da Lei nº 6.404, de 1976), inclusive sua remuneração (art. 152 da Lei nº 6.404, de 1976)”.
A Junta Comercial que indeferiu o registro, portanto, agiu de maneira diversa da outra Junta Comercial – revelando a ausência de padrão na atuação da Administração Pública – e valeu-se de uma norma questionável para tanto – revelando a imprecisão normativa.
Assim, a MP 1.040 parece ter sido uma boa medida em termos procedimentais, mas, do ponto de vista técnico, não trouxe melhorias capazes de amenizar problemas do tipo.
Eventos relacionados à ausência de padrão comportamental e inadequação normativa – isto é, eventos que dizem respeito à parte técnica do registro – prejudicam e atrasam o deferimento do registro. Por isso, parece que, se o intuito é, de fato, melhorar o ambiente de negócios por meio do aprimoramento do Registro do Comércio, é hora de voltar as atenções não só para o aspecto procedimental, mas também e especialmente para o aspecto técnico do serviço prestado.
Gabriella Gati Ferreira
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto Rocha
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) Inclusive esse tema foi objeto de dois dos nossos Informativos anteriores: a Edição nº 4, de 19/01/2015, que cuidou das dificuldades para se operacionalizar no Registro do Comércio o procedimento de exclusão extrajudicial de sócios, disponível em: https://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=49; e a Edição nº 15, de 18/12/2015, que resumia a implantação do Registro Digital pela Junta Comercial do Estado de Minas Gerais, disponível em: https://www.vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=220.
(2) “Art. 2º Fica criada a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios - REDESIM, com a finalidade de propor ações e normas aos seus integrantes, cuja participação na sua composição será obrigatória para os órgãos federais e voluntária, por adesão mediante consórcio, para os órgãos, autoridades e entidades não federais com competências e atribuições vinculadas aos assuntos de interesse da Redesim. [...] Art. 9º Será assegurada ao usuário da Redesim entrada única de dados cadastrais e de documentos, resguardada a independência das bases de dados e observada a necessidade de informações por parte dos órgãos e entidades que a integrem. § 1º Os órgãos executores do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e do Registro Civil das Pessoas Jurídicas colocarão à disposição dos demais integrantes da Redesim, por meio eletrônico: I - os dados de registro de empresários ou pessoas jurídicas, imediatamente após o arquivamento dos atos; II - as imagens digitalizadas dos atos arquivados, no prazo de 5 (cinco) dias úteis após o arquivamento.”
(3) Daí difundiu-se o uso do formulário on-line denominado Documento Básico de Entrada da Receita Federal do Brasil (conhecido como “DBE”) como instrumento integrador de informações exigidas pelos entes cadastrais citados. Neste modelo de registro – que vigora até hoje, o DBE é pré-requisito para que grande parte dos atos de empresários e sociedades empresárias possa ser levada à registro pelas Juntas Comerciais.
(4) Nova redação: “Art. 4º Os órgãos e as entidades envolvidos no processo de registro e legalização de empresas, no âmbito de suas competências, deverão manter à disposição dos usuários, de forma gratuita, por meio presencial e da internet, informações, orientações e instrumentos que permitam pesquisas prévias sobre as etapas de registro ou inscrição, alteração e baixa de empresários e pessoas jurídicas e licenciamento e autorizações de funcionamento, de modo a fornecer ao usuário clareza quanto à documentação exigível e à viabilidade locacional, de nome empresarial, de registro, de licenciamento ou inscrição.”
(5) Nova redação: “Art. 6º Sem prejuízo do disposto no inciso I do caput do art. 3º da Lei nº 13.874, de 2019, nos casos em que o grau de risco da atividade seja considerado médio, na forma prevista no art. 5º-A, o alvará de funcionamento e as licenças serão emitidos automaticamente, sem análise humana, por intermédio de sistema responsável pela integração dos órgãos e das entidades de registro, nos termos estabelecidos em resolução do Comitê Gestor da Redesim. § 1º O alvará de funcionamento será emitido com a assinatura de termo de ciência e responsabilidade do empresário, sócio ou responsável legal pela sociedade, que firmará compromisso, sob as penas da lei, de observar os requisitos exigidos para o funcionamento e o exercício das atividades econômicas constantes do objeto social, para efeito de cumprimento das normas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio.”
(6) “Art. 11-A. Não poderão ser exigidos, no processo de registro de empresários e pessoas jurídicas realizado pela Redesim: I - dados ou informações que constem da base de dados do Governo federal; e II - coletas adicionais à realizada no âmbito do sistema responsável pela integração, a qual deverá bastar para a realização do registro e das inscrições, inclusive no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ, e para a emissão das licenças e dos alvarás para o funcionamento do empresário ou da pessoa jurídica.
Parágrafo único. A inscrição fiscal federal no CNPJ dispensa a necessidade de coleta de dados adicionais pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios e a Fazenda Pública da União permutará as informações cadastrais fiscais com os entes federativos respectivos.”
(7) O artigo 11, incisos II e IV, do Decreto 8.001, revogou os artigos 2º, inciso III, alínea c, item 3 e artigo 24, do Decreto 7096/2010, que dispunha sobre a Estrutura Regimental do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e descrevia a existência e a competência do DNRC, extinguindo, então, o órgão, e criou o Departamento de Registro Empresarial e Integração, inserindo-o na estrutura da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República.