Ainda que após o início da fiscalização, não será aplicada a multa de ofício se o contribuinte realizar o recolhimento dentro do prazo estabelecido na Lei 9.430/96, diz STJ
Maria Fernanda Pimenta e Henrique Coimbra
No dia 18 de maio de 2021, foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) o Recurso Especial nº 1472761/PR (“REsp 1472761/PR”) no qual a União Federal pretendia o reconhecimento da legitimidade da aplicação da multa de ofício de 75% prevista no art. 44, I, da Lei nº 9.430/96 (1), imposta ao contribuinte que havia deixado de recolher o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (“IRPF”) relativo a ganho de capital auferido com a venda de um veículo.
O artigo mencionado estabelece a aplicação de multa de 75% sobre a totalidade ou diferença do tributo nos casos de falta de recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata. Segundo a Fazenda Nacional a multa de ofício seria cabível, pois o contribuinte deixou de declarar o referido ganho de capital e de efetuar tempestivamente o recolhimento do respectivo imposto, o que ocorreu apenas após ser intimado pela Receita Federal sobre o início da ação fiscal.
O voto vencedor, proferido pelo Ministro Relator Mauro Campbell, afastou a aplicação da multa de ofício com base no art. 47 também da Lei nº 9.430/96:
Art. 47. A pessoa física ou jurídica submetida a ação fiscal por parte da Secretaria da Receita Federal poderá pagar, até o vigésimo dia subseqüente à data de recebimento do termo de início de fiscalização, os tributos e contribuições já declarados, de que for sujeito passivo como contribuinte ou responsável, com os acréscimos legais aplicáveis nos casos de procedimento espontâneo.
Isso porque a maioria da 2ª Turma do STJ entendeu que, apesar de ter agido após o recebimento do termo de início da fiscalização, o contribuinte (depois de ter identificado o equívoco ocorrido) recolheu espontaneamente o tributo dentro do prazo fixado pelo dispositivo supra colacionado, com o acréscimo de multa de mora e juros. Ademais, aduziu que o fato de o contribuinte ter informado os valores de aquisição e alienação do bem na Declaração de Ajuste Anual (“DAA”) é suficiente para configurar a declaração exigida para aplicação do aludido dispositivo.
Ressalta-se que o acórdão relativo a esse julgamento ainda não foi publicado oficialmente pelo STJ e que as diretrizes contidas neles serão fundamentais para aplicação desse julgamento em casos semelhantes, especialmente no que diz respeito aos requisitos exigidos para que o tributo seja considerado declarado.
Noutra perspectiva, é importante destacar que a ação do contribuinte não pode ser caracterizada como denúncia espontânea prevista no art. 138 do CTN, o que implicaria na exclusão da cobrança de qualquer multa, embora ele tenha agido espontaneamente e recolhido o tributo após o recebimento do termo de início de fiscalização.
Luís Eduardo Schoueri (2) entende que a ideia da denúncia espontânea é estimular o sujeito passivo a se redimir de sua infração: uma vez reparada, espontaneamente, a falta cometida, o legislador afasta qualquer penalidade. Esse entendimento não se amolda ao caso analisado pelo STJ, haja vista que, apesar de ter agido voluntariamente, com boa-fé e buscado reparar o equívoco cometido, o contribuinte recolheu o tributo somente após ser intimado no início do procedimento fiscalizatório.
A aplicação do aludido art. 47 para casos análogos é interessantíssima do ponto de vista econômico. Ora, nos casos em que o contribuinte efetua o pagamento no prazo de 30 dias da ciência do auto de infração o art. 6º da Lei nº 8.218/1991 concede a redução da multa e ofício no percentual de 50%. Esse abatimento representa, na prática, na incidência de uma multa de 37,5 %.
Todavia, caso o contribuinte se antecipe e recolha o tributo, acrescido de multa e juros, dentro do prazo de 20 dias do recebimento do termo de início de fiscalização, haverá a incidência de multa de mora de 20%, o que equivale ao recolhimento de uma multa 17,5% menor do que se ele aguardasse e efetuasse o recolhimento após a lavratura do auto de infração.
Esse precedente tem o condão de privilegiar o contribuinte que cooperou com a autoridade fazendária, eliminando a necessidade de se lavrar um ato de cobrança e tomar medidas para tanto.
No entanto, a aplicação desse entendimento a casos semelhantes deve ser avaliada casualmente, verificando se o tributo que deixou de ser recolhido foi efetivamente declarado pelo contribuinte, conforme exige o referido art. 47.
Isso porque, no mencionado julgamento o contribuinte não declarou de maneira formalmente correta na DAA o ganho de capital auferido e o respectivo imposto devido. Ele apenas informou os valores de aquisição e de alienação do veículo na ficha “Bens e Diretos”, apresentando ao fisco a situação fática tributável. Contudo, não informou a alienação do referido bem especificamente na ficha “Ganhos de Capital”, evidenciando o auferimento do ganho e apuração do imposto de renda.
Não obstante o STJ tenha entendido que a informação constante na DAA era suficiente para a autoridade fazendária identificar a ocorrência do ganho de capital, considerando, portanto, declarado o respectivo tributo, não é possível saber ao certo, se em situações similares, com tributos distintos, quais serão as circunstâncias exigidas para se caracterizar a existência de declaração.
Mais informações sobre o assunto podem ser obtidas com a equipe de Direito Tributário do VLF Advogados.
Maria Fernanda Pimenta
Advogada da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
Henrique Coimbra
Coordenador da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Brasília, 27 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9430.htm. Acesso em: 24 maio 2021.
(2) SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.