O período de supervisão judicial na Nova Lei de Recuperação e Falências
Juliana Sardinha e Aline Piteres Porto
Dentre as diversas inovações promovidas pela Lei nº 14.112/2020, que atualiza a legislação de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências (Lei nº 11.101/2005), um ponto que merece destaque diz respeito ao período de supervisão judicial.
De acordo com a legislação brasileira, a partir da concessão da Recuperação Judicial, as sociedades recuperandas são submetidas a um período de fiscalização direta e estrita do Poder Judiciário e dos seus credores, por meio da assembleia geral, do comitê de credores, se for o caso, e do Administrador Judicial (1). A esse intervalo de tempo dá-se o nome de “período de supervisão judicial”.
Na sistemática anterior da Lei de Recuperação e Falências (Lei nº 11.101/2005), esse período de supervisão duraria, obrigatoriamente, um mínimo de dois anos após a concessão da Recuperação Judicial. Em outras palavras, não havendo o cumprimento integral do plano homologado nesse período, não era possível o encerramento do processo de recuperação antes do transcurso do biênio legal. Na hipótese de o plano de recuperação prever um prazo de carência para o início de sua execução, ainda, juízes e Tribunais entendiam que o biênio legal deveria ser prorrogado, de modo que sua contagem só seria iniciada após o decurso do prazo de carência.
Ainda que essa sistemática apresentasse certa segurança aos credores, por permitir a supervisão direta da sociedade recuperanda, ela acarretava um elevado ônus ao devedor. A sociedade em recuperação estava sujeita a um aumento dos custos do processo, decorrente de sua possível prorrogação, e sua recuperação de crédito ficava dificultada pela necessidade de apresentar-se ao mercado como sociedade “em recuperação judicial”. As modificações promovidas pela Lei nº 14.112/2020, nesse sentido, apresentam-se positivamente às sociedades recuperandas.
Com a atualização promovida em dezembro de 2020, o biênio legal passou a ser expressamente definido como limite de manutenção do devedor em recuperação judicial, independentemente de qualquer período de carência. Veja-se a nova redação do art. 61 da Lei nº 11.101/2005:
Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência.
Resolve-se, portanto, uma antiga controvérsia acerca do termo inicial do período de supervisão, que deverá ser contado desde a concessão da recuperação judicial, independentemente de qualquer carência, e garante-se à recuperanda maior segurança jurídica em relação ao prazo deste procedimento, que deixa de estar sujeito à prorrogação pelo juiz.
A imposição do biênio legal, ainda, passou a ser uma discricionariedade do magistrado. Se a redação anterior do art. 61 da Lei de Recuperação e Falências previa que o devedor permaneceria em recuperação judicial até que se cumprissem todas as obrigações previstas no plano que vencessem até dois anos depois da concessão da recuperação judicial, com a atualização deste artigo previu-se que “o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial”, de modo que a duração de dois anos do período de supervisão deixou de ser obrigatória.
Em termos de período de supervisão judicial, portanto, a atualização da Lei de Recuperação e Falências garante impactos econômicos positivos e maior segurança jurídica. Sem prejudicar os credores, que ainda poderão requerer a execução específica da obrigação ou a falência da sociedade recuperanda no caso de descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano de recuperação judicial (art. 62, Lei nº 11.101/05). Com uma visão otimista, portanto, espera-se que a nova Lei de Recuperação e Falências propicie a efetiva reestruturação de empresas afetadas pela crise econômica.
Juliana Sardinha
Coordenadora do Núcleo de Litígios Especiais do VLF Advogados
Aline Piteres Porto
Advogada da Equipe de Consultoria e Arbitragem do VLF Advogados
(1) MUNHOZ, Eduardo Secchi. Art. 61. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. Coordenação Francisco Satiro de Souza Junior, Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 302.