STF reconhece inconstitucionalidade de proibição de creditamento de PIS/COFINS na aquisição de insumos recicláveis
Vinícius Vasconcelos
Em 8 de junho de 2021 (1), o Supremo Tribunal Federal (“STF”) decidiu que são inconstitucionais o art. 47 da Lei nº 11.196/2015 (2), que veda a utilização de créditos de PIS/COFINS relativos à aquisição de insumos recicláveis por empresas tributadas pelo regime não cumulativo, e o art. 48 da mesma lei (3), que estabelece a suspensão da tributação no caso de venda de sucata para adquirente tributado pelo lucro real.
O julgamento se deu na sistemática de repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 607.109/PR, indexado sob o Tema 304, e prevaleceu o excelente voto divergente do Ministro Gilmar Mendes, acompanhado por seis ministros. O acórdão ainda não foi publicado, mas os votos estão disponíveis na aba “Sessão Virtual” da página do caso (4).
O posicionamento considerou que a legislação, ainda que intencionasse favorecer os catadores de materiais recicláveis, acabou por prejudicá-los. Para demonstrar esse prejuízo, o Ministro explicitou as premissas da não cumulatividade do PIS/COFINS, deixando clara a diferença entre a não cumulatividade do ICMS e do IPI, e comparou a tributação incidente sobre a cadeia produtiva que utiliza insumos reutilizáveis e aquela que não os utiliza.
O Ministro expôs que não há nenhum crédito a ser aproveitado na compra de sucatas de vendedores isentos de PIS/COFINS. Porém, ao comprar de vendedores que pagam 3,65%, os adquirentes têm crédito de 9,25%, o que significa que o tratamento tributário mais vantajoso é aproveitado por empresas que não utilizam insumos recicláveis. Gilmar Mendes ressaltou que a situação ainda é mais prejudicial se o fornecedor for optante do Simples Nacional, pois esses contribuintes não usufruem de isenção, que é a verdadeira natureza da suspensão prevista no art. 48 da Lei nº 11.196/2015.
O voto afastou os argumentos da Fazenda Nacional de que a inexistência de cobrança na etapa anterior vedaria o direito ao creditamento, ressaltando que o valor pago de tributo na cadeia anterior não influencia diretamente o montante de tributo a ser pago na etapa posterior, de modo que uma suspensão seguida por uma cobrança não teria o condão de reduzir a tributação.
Além disso, o Ministro considerou que o critério adotado para realizar a diferenciação tributária não poderia ser a natureza dos insumos adquiridos, se reciclados ou se extraídos na natureza, pois não seria possível beneficiar determinados agentes de um setor econômico sem que houvesse uma justificativa constitucional. A legislação, diferentemente, estabelecia normas diametralmente opostas às normas constitucionais, ao favorecer vantagens tributárias a empresas com potencial de degradação ambiental maior e prejudicando catadores de materiais recicláveis, que, para manter a competitividade, são levados a reduzir o preço das mercadorias.
O Ministro Dias Toffoli também compartilhou a mesma linha de raciocínio, mas considerou que o art. 48 deveria ter a constitucionalidade reconhecida, pois a sua manutenção seria essencial para beneficiar as cooperativas de catadores de materiais reciclados.
Para a Ministra Rosa Weber, relatora do caso, os dispositivos seriam constitucionais. Adotando as premissas fazendárias, seu voto considerou que não havia afronta à isonomia, pois não identificou o tratamento tributário diferenciado. Por isso, considerou inaplicável o art. 48 apenas aos vendedores optantes do Simples Nacional, que pagam PIS/COFINS, afastando a suspensão e, assim, assegurando o creditamento. Esse posicionamento foi seguido pelo Ministro Marco Aurélio. Já Alexandre de Moraes considerou constitucional a legislação, sem qualquer ressalva, pois a questão estaria no âmbito da discricionariedade do legislador e não teria sido demonstrada nenhuma violação aos princípios constitucionais.
A decisão do Recurso Extraordinário nº 607.109/PR tem dois aspectos de grande importância para o direito tributário como um todo. O primeiro diz respeito à sistemática do funcionamento da não cumulatividade do PIS/COFINS e o segundo refere-se aos contornos da extrafiscalidade, que deve se pautar sempre no alcance de objetivos constitucionais. A decisão é um acerto ao efetivamente privilegiar a isonomia tributária e ao exigir que as fundamentações para tratamentos diferenciados sejam fortemente amparadas em objetivos constitucionais. Trata-se de um importante precedente para discutir outras restrições de creditamento.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área tributária do VLF Advogados.
Vinícius Vasconcelos
Advogado da Equipe Tributária do VLF Advogados
(1) RE 607109 RG. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Julgamento virtual. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Redator para acórdão: Gilmar Mendes. Julgamento: 09/09/2010.
(2) Art. 47. Fica vedada a utilização do crédito de que tratam o inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e o inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, nas aquisições de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço, de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de zinco e de estanho, classificados respectivamente nas posições 39.15, 47.07, 70.01, 72.04, 74.04, 75.03, 76.02, 78.02, 79.02 e 80.02 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, e demais desperdícios e resíduos metálicos do Capítulo 81 da Tipi.
(3) Art. 48. A incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins fica suspensa no caso de venda de desperdícios, resíduos ou aparas de que trata o art. 47 desta Lei, para pessoa jurídica que apure o imposto de renda com base no lucro real.
Parágrafo único. A suspensão de que trata o caput deste artigo não se aplica às vendas efetuadas por pessoa jurídica optante pelo Simples.
(4) Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=3810658. Acesso em: 21 jun. 2021.