Pacote sobre tributação da renda tem sofrido severas críticas
Rafhael Frattari e Laura Cançado Maakaroun
Nas discussões havidas tanto no meio acadêmico quanto em fóruns profissionais, várias têm sido as críticas sobre diversos pontos da proposta de alteração na tributação da renda enviada ao Congresso Nacional pelo Governo Federal no dia 26 de junho, o Projeto de Lei nº 2.337/21. Poucas foram as alterações festejadas, a exemplo da opção de antecipação do ganho de capital em futura venda de imóvel, com pagamento de alíquota reduzida, bem como a atualização da tabela progressiva para as pessoas físicas, ainda que considerada uma medida tímida (com aumento da faixa de isenção em torno de 31%).
A maioria das modificações propostas, no entanto, tem sofrido duras críticas na imprensa, na academia e pelas entidades profissionais. Nem todas as objeções podem ser consideradas simplesmente como corporativas. Ao contrário.
Entre os pontos mais relevantes, pode-se destacar: a revogação da isenção na tributação dos dividendos, no momento da distribuição, tornando-os tributáveis com alíquota de 20%, acompanhada pela redução gradual da alíquota na pessoa jurídica (considerada insuficiente para minimizar o acréscimo de carga); a obrigatoriedade para as holdings imobiliárias em apurar o imposto pela sistemática do lucro real, o que representa aumento de carga inevitável para a atividade; a extinção da dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio, estabelecendo distinção injustificável na empresa que busca empréstimos nos seus sócios e àquelas que vão aos bancos; o fim da dedutibilidade fiscal do ágio; a impossibilidade de devolução de capital com bens em valor patrimonial (histórico); a obrigatoriedade de que sociedades em conta de participação usem o mesmo sistema de apuração utilizado pelo sócio ostensivo; a mudança na tributação de fundos de investimento e várias outras medidas, algumas bastante pontuais, ansiadas há tempos pela Receita Federal do Brasil.
Como era de se esperar, o citado texto tem sido alvejado em função de diversos problemas, dentre os quais desponta como mais grave a ausência de uma integração entre a tributação da pessoa jurídica e a de seus sócios, elevada para nível insuportável. De fato, a discussão técnica sobre a tributação dos dividendos não pode ser capturada por um debate ideológico, como se ao tributá-los o país fosse emergir para o welfare state inevitavelmente. A tributação dos dividendos não é sinônimo de justiça fiscal.
O problema, como de costume, é bem mais complicado, infelizmente.
Pela proposta, a tributação de 20% dos dividendos será antecedida pela tributação da pessoa jurídica em 34% ou, na melhor das hipóteses, em 29%, em 2023. Não se trata de um aumento pequeno.
Neste caso, é relevante que a tributação da pessoa jurídica seja calibrada com eventual tributação de rendimentos. Se aprovada a proposta do Governo, ter-se-á um aumento brutal na tributação global sobre a renda, porque a nossa tributação na pessoa jurídica continuará próxima da atual, muito maior do que a média dos países da OCDE. É importante, por essa razão, criar mecanismos de compensação ou de credit para que haja a integração entre a tributação da pessoa jurídica e a do seu sócio. Do contrário, é certo que haverá aumento relevante de carga direta, o que afetará grande parte de negócios médios.
Além disso, para que a tributação dos dividendos possa ser eficiente será preciso ressuscitar uma velha conhecida dos tributaristas brasileiros (de mais idade, reconhecemos!): a distribuição disfarçada de lucros, a famosa DDL. É que a Receita Federal voltará a concentrar a sua atenção nas despesas das pessoas jurídicas para evitar que haja distribuição de lucros disfarçada aos sócios, prática de fiscalização comum antes da reforma promovida na década de 1990, quando se optou por isentar a distribuição, concentrando a tributação apenas na pessoa jurídica.
Neste ponto, faltou a mais óbvia sensibilidade para tratar do assunto, sobretudo em relação a pequenos e médios negócios submetidos aos regimes do SIMPLES e do lucro presumido, sociedades que não precisam ter escrituração fiscal completa, típica de empresas do lucro real.
Assim, pequenos e médios negócios podem esperar um acréscimo relevante nos custos de conformidade fiscal, porque a partir do momento em que a distribuição de lucro é tributada, torna-se imprescindível fiscalizar as despesas das empresas, o que exigirá uma completa revolução na escrituração fiscal de inúmeras pessoas jurídicas, aumentando-lhes consideravelmente os custos de compliance fiscal.
Diante de inúmeros outros problemas, o Projeto de Lei nº 2.337/21 vem perdendo força política gradualmente e já tem um substitutivo importante em discussão. Ainda assim, são poucas as definições realmente confiáveis até esse momento, onde ainda reina a indefinição, tanto técnica, quanto política.
Por isso, o VLF Advogados está à disposição para sanar dúvidas sobre o andamento da “Reforma sobre a renda”, mas considera prematuro expor pontos que serão necessariamente alterados. Quando de fato houver alguma certeza sobre as alterações que efetivamente vingarão, o escritório comunicará todos os clientes sobre as mudanças promovidas ou em vias de sê-lo.
Uma coisa é certa, o futuro parece não ser auspicioso. As alterações pretendidas são importantes, mudam radicalmente a direção do sistema tributário, mas não estão sendo analisadas e discutidas de modo sistemático, o que é visível no “fatiamento” da Reforma em fases, estratégia pretendida pelo Governo e que pode obscurecer o impacto da reforma na tributação da renda conjuntamente com as alterações na tributação do consumo (proposta de unificação de PIS/COFINS e criação da CBS). Do conjunto de mudanças pode surgir um cenário de crescimento relevante da carga tributária, inviabilizando vários negócios, sobretudo a cadeia de prestação de serviços, grande empregador nacional.
Além disso, parece não haver preocupação entre reduzir, ou, pelo menos, manter a carga tributária geral, além de pouco apreço à simplificação do sistema, que praticamente tornou-se pó, especialmente diante da tributação dos dividendos e da volta da DDL, que, repita-se, irá exigir grande atenção dos profissionais encarregados da apuração do imposto sobre a renda e do cumprimento das obrigações fiscais. Voltaremos com intervenções analíticas, quando isso for minimamente seguro e possível.
Rafhael Frattari
Sócio-fundador responsável pela Equipe Tributária do VLF Advogados
Laura Cançado Maakaroun
Advogada da Equipe Tributária do VLF Advogados