Estruturação de investimentos e planejamento patrimonial por holdings e fundos de investimento
Fernanda Vidigal e Pedro Ernesto Rocha
Não é novidade que, desde o final do século passado, o Brasil vive uma era de hipertrofia legislativa marcada pela proliferação de normas e regulamentações nos mais diversos setores, que impõem regras e obrigações, muitas vezes complexas e nem sempre claras. Esse cenário é especialmente agravado no tocante às relações econômicas e patrimoniais, que requerem previsibilidade, clareza e segurança jurídica.
Em razão disso, tem sido cada vez maior a procura por soluções de estruturação e planejamento de recursos e investimentos, seja por pessoas físicas, seja por pessoas jurídicas, tanto para grandes negócios, como para pequenos empreendimentos.
São inúmeros os benefícios trazidos por uma devida gestão patrimonial: há maior controle e, consequentemente, maior preservação dos recursos financeiros dos sujeitos; há uma organização estratégica dos investimentos, permitindo a sua aplicação eficiente e a maximização dos resultados; também se observa a separação entre o patrimônio pessoal dos empresários e o patrimônio destinado ao desenvolvimento dos negócios, garantindo mais segurança ao titular dos recursos e atraindo investimentos; ainda, é assegurada a regularidade das operações e sua otimização tributária e sucessória, dentre outros fatores.
Do ponto de vista jurídico, existem diferentes instrumentos que podem ser adotados para a estruturação de investimentos e planejamento patrimonial, cada qual com suas características, vantagens e desvantagens, a serem analisadas a depender dos objetivos e das especificidades de cada caso. Veja-se que nem sempre as melhores estruturas para a gestão do patrimônio de uma família serão adequadas para a organização dos negócios de um grande grupo de sociedades, ou para a administração de empreendimentos especializados, por exemplo.
Assim, é necessário entender o funcionamento e os pontos positivos e negativos de cada um desses instrumentos jurídicos para escolher aquele que mais atende às demandas do contexto em questão.
O mais conhecido mecanismo de planejamento patrimonial é o chamado holding. Trata-se de pessoa jurídica, comumente uma sociedade empresária, constituída com o objetivo de participar de outras sociedades, ou simplesmente de titularizar e aplicar os bens e direitos de uma ou mais pessoas. Nesse sentido, é possível classificar as holdings em, pelo menos, três categorias: (i) holding pura, que possui como objeto social apenas a participação no capital social de outras sociedades; (ii) holding mista, que, além de deter participações societárias, também desenvolve algum tipo de atividade operacional; e (iii) holding patrimonial, também conhecida como holding familiar, constituída para conter e gerir determinado patrimônio que lhe é aportado.
Em todos os casos, o que se destaca é o fato de haver a constituição de um ente com personalidade jurídica própria, sendo capaz de deter patrimônio próprio, distinto do de seus membros. É justamente essa separação patrimonial que permite a delimitação dos recursos a serem geridos, garantindo que eventuais dívidas e obrigações das pessoas membros não atinjam o patrimônio da holding, e vice-versa.
Ademais, as holdings costumam adotar as formas de sociedade limitada ou sociedade anônima, em razão da limitação da responsabilidade dos sócios que é conferida por esses tipos societários, assegurando, por sua vez, que os débitos contraídos pela holding não incidam sobre o patrimônio pessoal de seus sócios.
Além dessa proteção patrimonial, formada pela junção dos atributos da personalidade jurídica com a responsabilidade limitada, as holdings também oferecem vantagens tributárias e sucessórias. Do ponto de vista tributário, destaca-se, por exemplo, a imunidade do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (“ITBI”) para a integralização de imóveis ao capital social, caso o objeto social da holding seja diverso da atividade imobiliária, embora haja uma discussão se a imunidade alcança o valor do imóvel que ultrapassar o capital social, em compreensão ainda controversa do Tema nº 796 do STF. Ainda, há uma significante redução da carga tributária sobre a receita da pessoa jurídica em razão da possibilidade de adoção do regime do Lucro Presumido quanto ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), regime este que prevê menores alíquotas e uma base de cálculo de 32% da receita bruta verificada para o recolhimento de tais tributos. Por parte dos sócios, deve-se lembrar também que a distribuição de dividendos das sociedades é isenta de Imposto de Renda (“IR”) no Brasil (1), pelo menos no modelo ainda vigente em agosto de 2021.
Quanto às questões sucessórias, a principal vantagem decorre da possibilidade de que a sucessão ocorra tão somente sobre as quotas ou ações da holding, e não sobre cada um dos ativos que compõem o patrimônio da holding, facilitando a transmissão da herança aos herdeiros e evitando potenciais conflitos. Outro fator relevante decorre da definição das regras sucessórias de maneira antecipada no contrato ou estatuto social da holding, o que também contribui para a organização e previsibilidade na transição dos negócios entre gerações.
Já do ponto de vista da boa governança, a constituição de uma holding pode ser relevante para a estruturação de grupos societários com diferentes investidores e negócios diversificados, permitindo a implementação de políticas e regramentos específicos acerca da relação entre os sócios e da administração dos empreendimentos, seja no ato constitutivo da sociedade, seja por meio da assinatura de acordo de quotistas ou acionistas.
São inegáveis, portanto, os benefícios que podem ser trazidos pelas holdings para a organização da atividade empresarial e para a gestão patrimonial. Por outro lado, a análise individual de cada situação e a devida orientação jurídica são indispensáveis, considerando que o modelo também pode apresentar desvantagens ou características que não atendam aos objetivos do caso concreto. A título exemplificativo, mencionam-se a elevada carga tributária sobre rendimentos de aplicações financeiras; a tributação de ganho de capital em caso de alienação de imóveis ou de participações societárias; o aumento de despesas em virtude dos custos de administração da holding; etc.
Não se deve esquecer, ainda, que a atrativa separação patrimonial conferida pela constituição de uma holding comporta exceções. Como se sabe, as legislações consumerista, ambiental e trabalhista preveem a responsabilização dos sócios de uma sociedade diante dos prejuízos causados a consumidores, ao meio ambiente e aos empregados (2). Ademais, o próprio Código Civil estabelece hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, diante da ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial (3). Assim, a proteção patrimonial conferida pelas holdings não deve ser tida como absoluta.
Outro instrumento que tem sido utilizado para fins de planejamento patrimonial e organização de recursos são os fundos de investimento. Conceituados como sendo uma comunhão de recursos constituída sob a forma de condomínio de natureza especial, os fundos de investimento se destinam à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza, sendo regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), conforme determina o Código Civil (4).
Ao contrário das holdings, por se enquadrarem na definição de condomínio, os fundos de investimento não possuem personalidade jurídica própria, ficando o seu patrimônio sob a administração fiduciária de instituição autorizada pela CVM. Apesar disso, o Código Civil estabelece a possibilidade de o regulamento do fundo de investimento determinar a limitação da responsabilidade dos quotistas ao valor de suas quotas (5), protegendo os seus respectivos patrimônios pessoais das obrigações assumidas no âmbito do fundo.
Nos termos da Instrução nº 555 da CVM, aplicável a todo e qualquer fundo registrado perante a autarquia, os fundos podem ser constituídos sob a forma de condomínio aberto ou fechado (6). Nos fundos abertos, o resgate de quotas pode ser solicitado observando-se o respectivo regulamento do fundo, sendo permitida a entrada e a saída de quotistas a qualquer tempo. Já nos fundos fechados, as quotas somente são resgatas ao término do prazo de duração do fundo, ou em caso de liquidação, de modo que não é permitida a livre entrada e saída de investidores. Em contrapartida, a negociação e cessão de quotas, via de regra, somente é permitida para os fundos fechados (7).
É importante destacar a existência de diversas espécies de fundos de investimento, que se destinam a diferentes tipos de aplicações e possuem regras e características específicas. Dentre as espécies mais conhecidas estão os Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”), regulados pela Instrução nº 472 da CVM; os Fundos de Investimento em Participações (“FIP”), previstos na Instrução nº 578 da CVM; os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”), regulados pela Instrução nº 356 da CVM; entre outros. Veja-se que, para cada um desses fundos, existem previsões específicas a serem observadas, e que a própria espécie a ser adotada irá depender das particularidades e dos objetivos de cada negócio, de cada investidor, de cada família ou de cada grupo em questão.
Além das regulamentações a serem observadas, os fundos de investimento de modo geral possuem uma estrutura complexa de administração, requerendo a contratação de determinadas atividades, a serem exercidas por prestadores de serviços tais como: administrador, que constitui o fundo e o representa para todos os fins de direito e em todas as esferas; gestor, incumbido da gestão profissional dos ativos integrantes da carteira do fundo; distribuidor, a quem cabe a oferta e distribuição das quotas do fundo; e auditor independente, responsável por auditar as demonstrações contábeis do fundo.
Portanto, assim como as holdings, os fundos de investimento apresentam vantagens e desvantagens que devem ser analisadas conforme as demandas do caso concreto. Do ponto de vista sucessório, os fundos também permitem que a sucessão recaia apenas sobre suas quotas e não sobre os seus ativos individualmente considerados, simplificando a transmissão da herança. Além disso, os regulamentos dos fundos também podem prever regras quanto ao relacionamento entre os quotistas e as formas de tomada de decisão, evitando conflitos entre os herdeiros e viabilizando o exercício da vontade dos antecessores.
Sob o aspecto tributário, a principal prerrogativa diz respeito ao fato de que, em regra, os fundos de investimento não estão sujeitos ao pagamento de tributos sobre seus rendimentos e aplicações (8), havendo tributação apenas sobre os quotistas quando da distribuição dos lucros auferidos. Ademais, os ganhos de capital dos quotistas decorrentes de resgate, amortização e alienação de quotas também estão sujeitos à incidência de IR. Assim, em comparação com o regime das holdings, os fundos de investimento mostram-se mais vantajosos no tocante à disponibilidade e fluxo de capital, tendo em vista a ausência de tributação no nível do fundo. Porém, são desvantajosos para os casos em que predomina o interesse na distribuição de lucros e rendimentos aos quotistas, uma vez que as holdings oferecem isenção aos dividendos.
A constituição de um fundo de investimento também deve ser avaliada do ponto de vista de seu custo-benefício. Isso porque a sua implementação e a sua manutenção tendem a ser mais onerosas do que no caso das holdings, considerando a complexidade da estrutura administrativa dos fundos, a necessidade de contratação de prestadores de serviços especializados e o pagamento de taxas e contribuições perante as entidades autorreguladoras. Outro fator a se ponderar são os diversos regramentos a serem observados no caso dos fundos de investimento, tendo em vista que as regulações pela CVM impõem limites e requisitos a serem observados tanto para os investimentos e aplicações dos fundos, como para os seus investidores, a depender da espécie adotada.
Com base no exposto, observa-se que a estruturação de investimentos e o planejamento patrimonial conferem segurança e otimizam a aplicação dos recursos financeiros dos sujeitos, contribuindo para o desenvolvimento eficiente das atividades econômicas. A diversidade de normas que incidem sobre as relações patrimoniais e os diferentes instrumentos jurídicos que podem ser utilizados fazem com que seja necessária a análise das nuances e particularidades de cada caso.
As estratégias a serem adotadas dependerão, assim, dos sujeitos envolvidos no negócio, das atividades desenvolvidas, dos objetivos almejados e do contexto em questão. Aliás, a gestão do patrimônio é um processo constante e dinâmico, devendo manter-se atualizado em relação a eventuais alterações de mercado, de regulações e interpretações normativas, e às mudanças na própria estrutura e nos interesses em foco.
Fernanda Vidigal
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto Rocha
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) Ressalte-se que a tributação de dividendos está atualmente em discussão na proposta de reforma tributária que tramita no Congresso Nacional (Projeto de Lei nº 2.337/2021), podendo a regra de isenção sofrer alterações.
(2) Ver artigo 28, §5º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), artigo 4º da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) e artigo 2º, §2º da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei 5.452/1943).
(3) Artigo 50 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002): “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.
(4) Artigo 1.368-C do Código Civil (Lei nº 10.406/2002): “O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza. (...) §2º Competirá à Comissão de Valores Mobiliários disciplinar o disposto no caput deste artigo”.
(5) Artigo 1.368-D do Código Civil (Lei nº 10.406/2002): “O regulamento do fundo de investimento poderá, observado o disposto na regulamentação a que se refere o § 2º do art. 1.368-C desta Lei, estabelecer: I - a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas cotas”.
(6) Artigo 4º da Instrução nº 555 da CVM: “O fundo pode ser constituído sob a forma de condomínio aberto, em que os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas conforme estabelecido em seu regulamento, ou fechado, em que as cotas somente são resgatadas ao término do prazo de duração do fundo”.
(7) Conferir artigos 13 e 14 da Instrução nº 555 da CVM.
(8) Existem exceções, por exemplo, no caso de aplicações financeiras dos FII, que se sujeitam à incidência do imposto de renda na fonte, observadas as mesmas normas aplicáveis às pessoas jurídicas, conforme determina o artigo 16-A da Lei nº 8.668/1993.