A Ação de Exibição de Documento passa a ter mais efetividade após julgamento do STJ
Walter Neto e Eduardo Metzker
A Ação de Exibição de Documentos tem como fundamento a necessidade de acesso a documento de titularidade própria, ou mesmo de terceiros, pela demonstração do legítimo interesse sobre o seu conteúdo e da existência de relação jurídica entre as partes.
O Código de Processo Civil de 1973 previa dois tipos de exibição de coisa ou documentos, sendo um deles, no procedimento cautelar (art. 844, CPC/73), e outro no procedimento comum, de forma incidental (art. 355 e ss., CPC/73).
O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, aboliu as cautelares autônomas substituindo-as pela tutela de urgência antecipada ou cautelar, mas tratou especificamente do procedimento de exibição de documentos nos artigos 396 a 404.
O juiz, assim, pode ordenar que a parte, ou mesmo o terceiro, exiba documento ou coisa que se ache em seu poder (art. 396, CPC/2015):
Art. 396. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa que se encontre em seu poder.
Deferida a exibição do documento e permanecendo inerte a parte (ou negando a existência do documento), o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que a parte pretendia provar por meio do documento:
Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se:
I - o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398;
II - a recusa for havida por ilegítima.
Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido.
O parágrafo único do artigo 400 do CPC/2015 trouxe a previsão expressa de medidas que podem ser adotadas pelo juiz para “forçar” a exibição do documento. Nos termos do referido dispositivo, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para compelir a parte a exibir o documento.
Com isso, uma parte da doutrina e da jurisprudência entendeu que estaria superado o entendimento constante na Súmula 372 do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), segundo o qual, “na ação de exibição de documentos, não cabe aplicação de multa cominatória”.
Por outro lado, a ausência de previsão expressa permitindo a cominação de multa em desfavor da parte demandada fez com que a jurisprudência ficasse dividida, gerando insegurança jurídica e incertezas quanto à eficácia da Ação de Exibição de Documentos.
Anulando a controvérsia que se instaurou nos tribunais estaduais, em 1º de julho de 2021, foi publicado o acórdão do REsp 1.777.553-SP, de relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por meio do qual o STJ firmou a tese sobre a possibilidade de aplicação de astreintes contra a parte demandada em ação de exibição de documentos.
No caso analisado pelo STJ, a parte Recorrente defendia o descabimento da cominação de astreintes na ação de exibição de documentos com fundamento na vedação dada pela Súmula 372 do STJ, e na tese firmada no sentido de ser descabida a multa cominatória na exibição de documento relativo a direito disponível (Tema Repetitivo 705/STJ).
A Recorrida, por sua vez, argumentou que as mudanças trazidas pelo CPC/2015 conferem ao Magistrado um poder geral de coerção que lhe permite fixar multa cominatória para o cumprimento das decisões, inclusive em ação de exibição de documentos.
O julgamento do Resp 1.777.553-SP, então, revelou que para o STJ, o CPC/2015 de fato possibilitou ao Magistrado a aplicação de medidas coercitivas para o cumprimento das decisões, incluindo as astreintes.
De acordo com os Ministros da Segunda Seção do STJ, a tese do Tema Repetitivo 705/STJ foi firmada no contexto do Código de Processo Civil anterior (1973), em que não se previa a aplicação de medidas coercitivas para o descumprimento da obrigação de exibir documentos, dispondo apenas da presunção de veracidade.
Com a vigência do CPC/2015, o STJ destacou a inteligência do já citado artigo 400 e do artigo 403 do referido diploma legal para fundamentar o cabimento da multa cominatória:
Art. 403. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz ordenar-lhe-á que proceda ao respectivo depósito em cartório ou em outro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o ressarça pelas despesas que tiver.
Parágrafo único. Se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento de multa e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão.
Não se omitindo quanto ao fato de que há previsão expressa de multa apenas na exibição de documentos contra terceiro (artigo 403), os Ministros entenderam que a aplicação das astreintes nada mais é do que uma espécie do gênero “medidas coercitivas” prevista no parágrafo único do artigo 400, do CPC, estendendo a sua aplicação para a contraparte.
Conforme destacou o Ministro Relator:
Deveras, se a intenção do legislador fosse realmente excluir a aplicação de multa na exibição de documentos, nada seria pior em termos de técnica legislativa do que empregar redação idêntica à do art. 139, inciso IV, pois, numa interpretação gramatical, o intérprete seria levado a concluir que o gênero "medidas coercitivas" abrange necessariamente a multa cominatória, como bem sustentou o IBDP.
Efetivamente, a boa técnica legislativa recomendaria, nesse caso, excluir expressamente a possibilidade de aplicação de multa, para não restar dúvida acerca da exclusão dessa espécie de medida coercitiva, apesar da previsão do gênero que a abarca.
Com esses fundamentos, pode-se concluir que a norma do art. 400, p. u., ao contrário de um silêncio eloquente, contém, na verdade, uma previsão implícita de multa cominatória, contida no gênero "medidas coercitivas”.
Com isso, firmou-se a tese do recurso repetitivo para que: “desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende que seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015”.
Espera-se, com isso, que a Ação de Exibição de Documentos, ou o pedido de exibição incidental, passe a ter mais efetividade jurídica em favor da ampla e exauriente elucidação dos fatos e busca pela verdade.
Walter Neto
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Eduardo Metzker
Coordenador da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados