Com a edição da Resolução Conjunta nº 1/2020, o Banco Central criou as bases legais para criação do Open Banking e tal regulamento possui profunda relação com o Código de Defesa do Consumidor e com a
Henrique Gobbi
As mudanças ocorridas nos últimos anos no sistema bancário brasileiro são inquestionáveis e motivadas principalmente pela disrupção tecnológica e pela ascensão das “Fintechs”, que promoveram abertura e democratização dos serviços financeiros. Nesse contexto, temos um fator determinante para esse avanço: o tratamento de dados.
Ocorre que o segmento bancário, ainda visto como tradicional, com exceção das bases de dados privadas e públicas, tais como SPC e Serasa, fica limitado aos dados financeiros de seus próprios clientes, impossibilitando-os de analisar o perfil de dados financeiros de outros consumidores e dificultando a entrada no mercado de novos players que careçam de dados para impulsionarem suas operações.
Diante disso e seguindo uma tendência mundial, o Banco Central do Brasil (“BCB”) deu um importante passo ao iniciar, em 2019, a implementação do Open Banking, que consiste, segundo definições da Resolução Conjunta nº 1/2020 (1), no compartilhamento padronizado de dados e serviços por meio de abertura e integração de sistemas pelas instituições financeiras, instituições de pagamento e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB.
Essa iniciativa tem como objetivo permitir que os consumidores compartilhem seus dados com as mais diversas instituições financeiras, garantindo acesso a serviços bancários de forma mais dinâmica e eficiente, podendo optar por aquele que julgar mais benéfico. Na outra ponta temos as instituições bancárias, que poderão conhecer o perfil de outros clientes que não façam parte de sua carteira.
A partir do compartilhamento dessas informações, temos a formação de um ambiente que favorece a competitividade do mercado, uma vez que os bancos de menor expressão poderão ter acesso às mesmas bases de dados das instituições que lideram o segmento, reduzindo a disparidade comercial. Apenas para contextualizar, atualmente os cinco maiores bancos do Brasil controlam mais de 80% do mercado (2).
Contudo, precisamos entender os desafios jurídicos que essa abertura apresenta do ponto de vista do direito do consumidor.
Neste cenário, verifica-se a atenção da Resolução Conjunta nº 1/2020 aos principais preceitos da legislação consumerista no que concerne ao direito à informação, uma vez que prevê no I do art. 4º (3) o dever da transparência com o consumidor como princípio de destaque em seu rol, que permeia o regramento como um todo.
É impossível dissociar uma iniciativa que visa o compartilhamento de dados da nossa célebre Lei Geral de Dados Pessoais (“LGPD”), pois certamente o regimento cuidou de observá-la de forma categórica.
Consequentemente, a Resolução do BCB contempla, nos mesmos termos, o rol de princípios indicados no art. 6º da LGPD, ficando clara a importância da referida Lei e o quão rápido ela se tornou referência para a inovação, seja tecnológica ou legislativa.
À medida que seguimos com a análise da Resolução fica nítida a correlação e sinergia da Lei Consumerista (5) com a LGPD, uma vez que esta, indica a necessidade de se apresentar informações claras e objetivas ao titular dos dados sobre como e quais informações estão sendo tratadas pelo controlador, conforme podemos extrair da leitura do art. 9 (6) da LGPD, que muito se aproxima do § 1° do art. 43 (7) do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”). Esses aspectos também podem ser identificados nos princípios da normativa bancária (8).
Contudo, um ponto muito sensível para o tratamento de dados reside na obtenção expressa do consentimento do titular dos dados e, nesse sentido, a redação do art. 10 da Resolução Conjunta nº 1/2020 é digna de nota, uma vez que dispõe de forma clara e objetiva todos os cuidados que a instituição deve ter privilegiando, principalmente, a clareza na informação, a finalidade, as partes envolvidas na operação, os dados que estão sendo compartilhados e a vedação a determinadas formas de obtenção de consentimento (9).
Com essa breve exposição, fica claro o caráter inovador da iniciativa do BCB que, se realizada observando os preceitos do CDC e da LGPD, trará benefícios que ainda não podem ser mensurados, tanto para o consumidor quanto para as instituições bancárias.
Tal como a adaptação da realidade das empresas para a LGPD é um desafio, a adoção do Open Banking pelos players seguirá a mesma lógica, pois como se viu, o BCB observou atentamente a recente norma em vigor e o aspecto da segurança da informação, sendo certo que investimentos nesse setor nunca foram tão necessários, considerando o aumento vertiginoso do compartilhamento de informações que esse serviço propiciará e a necessidade de adequação do segmento bancário às inovações que o mundo nos apresenta a cada dia.
Henrique Gobbi
Coordenador da Equipe de Direito Consumerista do VLF Advogados
(1) BANCO Central do Brasil. Resolução Conjunta nº 1, de 4 de maio de 2020. Dispõe sobre a implementação do Sistema Financeiro Aberto (Open Banking). Disponível em: in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-conjunta-n-1-de-4-de-maio-de-2020-255165055. Acesso em: 26 ago. 2021.
(2) TEMÓTEO, Antonio. 5 maiores bancos concentram mais de 80% dos empréstimos no país, diz BC. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/06/07/5-maiores-bancos-concentram-mais-de-80-dos-emprestimos-no-pais-diz-bc.htm. Acesso em: 18 ago. 2021.
(3) Art. 4º As instituições de que trata o art. 1º, para fins do cumprimento dos objetivos de que trata o art. 3º, devem conduzir suas atividades com ética e responsabilidade, com observância da legislação e regulamentação em vigor, bem como dos seguintes princípios: I - transparência; II - segurança e privacidade de dados e de informações sobre serviços compartilhados no âmbito desta Resolução Conjunta; III - qualidade dos dados; IV - tratamento não discriminatório; V – reciprocidade.
(4) BRASIL. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 26 ago. 2021.
(5) BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 26 ago. 2021.
(6) Art. 9º O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso.
(7) § 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
(8) ASPECTOS essenciais do open insurance no Brasil. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-05/seguros-contemporaneos-aspectos-essenciais-open-insurance-brasil. Acesso em: 18 ago. 2021.
(9) § 3º É vedado obter o consentimento do cliente: I - por meio de contrato de adesão; II - por meio de formulário com opção de aceite previamente preenchida; ou III - de forma presumida, sem manifestação ativa pelo cliente.