É possível a penhora de bem de família do fiador em contrato e locação comercial?
Gabrielle Aleluia e Sílvia Badaró
No dia 5 de agosto de 2021, o Superior Tribunal Federal (“STF”) deu início a julgamento que promete findar uma controvérsia jurídica: a penhorabilidade de bem de família de fiador em caso de contrato de locação comercial (1).
O Plenário do STF conferiu repercussão geral para o tema no Recurso Extraordinário nº 1.307.334 (Tema 1127) (2), cuja discussão estava relacionada à aplicação do direito à moradia e do princípio da autonomia privada, sendo, portanto, questão de relevância política, social, econômica e jurídica, merecendo pronunciamento da Corte para garantir a aplicação uniforme da Constituição Federal.
O litígio constitucional descende de decisão da 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal paulista, que manteve a penhora de um único bem de família para garantir contrato de locação de imóvel comercial.
Para o Tribunal de origem, sua decisão tem fundamento no artigo 3º, inciso VII da Lei nº 8.009/1990 (3), que atesta a possibilidade de penhora de bem de família por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, bem como na Súmula 549 do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) (4), que solidifica a constitucionalidade da penhora de bem familiar na hipótese de garantia de fiança em contrato de locação.
Em contrapartida, o Recorrente sustenta que a Lei nº 8.009/1990 não particulariza se a locação indicada pela lei seria comercial ou residencial, bem como que o direito à moradia não poderia ser suprimido em detrimento do outro, ainda mais quando houvesse outros meios para garantir o contrato de locação comercial.
O STF retomou o julgamento do RE nº 1.307.334 em 12 de agosto de 2021, estando empatado o placar entre os ministros que votaram pela constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação comercial e aqueles que votaram pela sua inconstitucionalidade.
Aqueles que defendem a penhorabilidade do bem de família do fiador no contrato de locação comercial se apoiam na justificativa de que a Lei nº 8.009/1990 não especifica o tipo de locação ao versar sobre a possibilidade de penhora, bem como que o direito à moradia deve ser garantido em sintonia com os princípios da livre iniciativa e da autonomia da vontade.
Sob outra perspectiva, os Ministros que advogam a favor da inconstitucionalidade da penhora do bem de família na hipótese de locação comercial defendem que o Estado deve assegurar medidas adequadas à proteção de um patrimônio mínimo, de modo que não deveria ser admitida a penhora de bem de família na locação comercial.
A respeito do assunto, vale recordar os precedentes da Suprema Corte que destacam a relevância do julgamento que está porvir. O RE 605.709, que teve como redatora a Ministra Rosa Weber, firmou interpretação de que não se poderia favorecer o direito da livre iniciativa dos contratos privados em prejuízo do direito fundamental à moradia, considerando inconstitucional a penhora do bem de família do fiador. Por outro lado, em diferente posicionamento, no RE 612.360, com repercussão geral de tema 295, o Plenário reconheceu a constitucionalidade da penhora de bem de família de fiador em caso de locação de imóvel residencial, em atenção ao artigo 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/1990, que, contudo, não guarda similitude com a temática em discussão do RE 1.307.334, que discute a penhora de imóvel de fiador para garantir locação comercial.
Como se vê, o STF deverá confrontar o princípio fundamental à moradia com os princípios da livre iniciativa e da autonomia privada para definir se é constitucional ou não a penhora de bem de família nos contratos de locação comercial, o que irá alavancar repercussões jurídicas com peso significativo e com potencial reflexo no mercado imobiliário.
O julgamento foi suspenso e está sendo acompanhado pelo VLF Advogados, que está disponível para mais esclarecimentos.
Gabrielle Aleluia
Coordenadora da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Sílvia Badaró
Estagiária da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) STF começa a discutir possibilidade da penhora do bem de família de fiador em locação comercial. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=470532&ori=1. Acesso em: 10 ago. 2021.
(2) Acórdão que confere Repercussão Geral no RE 1.307.334. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15345853264&ext=.pdf. Acesso em: 17 ago. 2021.
(3) Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
(BRASIL. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm. Acesso em: 10 ago. 2021)
(4) Súmula 549 STJ: É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação. (SÚMULA 549, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015). Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27549%27).sub. Acesso em: 10 ago. 2021.