A Cláusula resolutiva expressa em compromisso de compra e venda de imóvel dispensa ação judicial para rescisão do contrato por falta de pagamento
Gabrielle Aleluia e Sílvia Badaró
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), ao julgar o Recurso Especial nº 1789863/MS (1), deu nova interpretação ao artigo 474 do Código Civil (“CC”) (2), no que diz respeito à rescisão de contrato imobiliário.
O art. 474 do CC estabelece que a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito, enquanto a tácita depende de interpelação judicial. Não obstante, o entendimento esposado pelo STJ até então, notadamente no julgamento do Recurso Especial nº 620.787/SP (3), de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, era de que seria “imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos”.
Tal entendimento, porém, foi modificado no julgamento do Recurso Especial nº 1789863/MS (1), em 10 de agosto de 2021, quando a Quarta Turma do STJ considerou que a existência de cláusula resolutiva expressa dispensaria o ajuizamento de ação judicial para rescisão do contrato por falta de pagamento.
A controvérsia submetida ao STJ teve origem em Instrumento Particular de compromisso de compra e venda, no qual as partes pactuaram a venda de uma fazenda, cujo pagamento seria feito em sete parcelas. O comprador tomou posse da propriedade após quitar a primeira parcela, mas não realizou o pagamento das demais, sendo notificado extrajudicialmente pela vendedora com base no contrato, que previa expressamente a rescisão da avença em caso de inadimplemento. Com o decurso do prazo fixado na notificação, a vendedora ajuizou Ação de Reintegração de Posse do imóvel perante o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, obtendo a liminar requerida.
O Tribunal Sul-Mato-grossense reputou desnecessário o ajuizamento de ação de resolução do contrato em razão da existência de cláusula resolutiva expressa no instrumento firmado entre as partes, para hipótese de inadimplência. A decisão foi questionada pelo comprador, que afirmava não ser possível a reintegração de posse sem que a rescisão do contrato, mesmo contendo cláusula resolutiva expressa, fosse objeto de decisão judicial. A vendedora, por sua vez, justificou que deveria prevalecer a boa-fé objetiva e que o comprador não poderia permanecer no imóvel após ter sido notificado da rescisão do contrato com fundamento na cláusula resolutória livremente pactuada entre as partes, com fulcro no artigo 474 (2) do CC.
No julgamento do Recurso Especial nº 1789863/MS (1), o Ministro Relator Marco Buzzi entendeu que “compreender a exigência de interpelação para constituição em mora como necessidade de se resolver o compromisso de compra e venda apenas judicialmente enseja confusão e imposição que refogem à intenção do legislador ordinário, por extrapolar o que determina a legislação específica sobre o compromisso de compra e venda de imóvel”.
O Magistrado ainda esclareceu que “a lei não determina que o compromisso de compra e venda deva, em todo e qualquer caso, ser resolvido judicialmente, pelo contrário, admite expressamente o desfazimento de modo extrajudicial, exigindo, apenas, a constituição em mora ex persona e o decurso do prazo legal conferido ao compromissário comprador para purgar sua mora”.
O que se extrai, portanto, do novo entendimento firmado pela Corte, é a aplicação direta do artigo 474 do CC, segundo o qual a cláusula resolutiva expressa opera-se de pleno direito. A decisão prestigia os princípios da autonomia da vontade e da não intervenção do Estado nas relações negociais, o que, além de facilitar e agilizar a resolução de conflitos envolvendo a inadimplência de contratos imobiliários, contribuirá para a diminuição de demandas judiciais envolvendo o assunto, na medida em que passa a ser desnecessária a propositura de ação para a declaração de resolução do contrato que contenha previsão expressa de resolução da avença em caso de inadimplemento.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do contencioso cível do VLF Advogados.
Gabrielle Aleluia
Coordenadora da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Sílvia Badaró
Estagiária da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) STJ, Quarta Turma, REsp nº 1789863 / MS (2013/0376277-6), Rel. Min. Marco Buzzi, 10.08.2021.
(2) Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.
(3) STJ, Quarta Turma, REsp nº 620.787/SP (2003/0232615-7), Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 14.04.2009.