O prestígio da citação eletrônica à luz das recentes alterações no CPC
Guilherme Henrique Vieira Calais Rezende
Desde as primeiras discussões que culminaram na elaboração do novo Código de Processo Civil (“CPC”), um dos principais pontos de atenção do legislador era tentar fazer com que a lei processual se adequasse às novas tecnologias que vêm surgindo, principalmente porque a internet se tornou o principal meio de prática dos mais variados atos processuais.
A pandemia, em razão da situação de urgência envolvida e de incertezas quanto à volta à normalidade, pressionou ainda mais o sistema jurídico (1) a fim de que tais atualizações se dessem de forma célere, mas, ao mesmo tempo, segura, fazendo com que novas rotinas virtuais surgissem na ideia de uma justiça cada vez mais virtualizada.
A citada adaptação do meio jurídico às inovações tecnológicas, contudo, não vem de hoje, pois a possibilidade de comunicação eletrônica dos atos processuais, por exemplo, já era prevista pela Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico). Ocorre que, a ausência de regulação de determinados procedimentos fazia com que tal “modernização” não alcançasse o processo como um todo e, de certa forma, contribuía para que métodos tradicionais de atuação judicial ainda prevalecessem.
Foi então que a Lei nº 14.195/2021, a qual dispõe sobre a facilitação para abertura de empresas, trouxe valiosa contribuição processual no sentido de simplificar um dos procedimentos imprescindíveis para emparelhamento de uma demanda: a citação. No capítulo intitulado “Racionalização do processo”, a referida norma estipula a inserção, ao art. 77 do CPC (2), da obrigatoriedade de os participantes processuais manterem sempre atualizados os dados cadastrais perante os órgãos do Judiciário para recebimento de intimações e citações.
Tal premissa foi o bastante para que houvesse consequente e notória movimentação do legislador no sentido de adequar todo o codex processual brasileiro no mesmo tom, dando origem à redação do atual art. 246, a qual dita que “a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça”.
A regulamentação referenciada no dispositivo supracitado é a Resolução nº 234/2016 do CNJ, que instituiu a criação de uma “plataforma de comunicações processuais” no âmbito do Poder Judiciário, cuja ferramenta ainda está em desenvolvimento (3). A ideia é que este ambiente digital possibilite o cadastro obrigatório de entes da administração direta e indireta, bem como as empresas públicas e privadas, e para o cadastro facultativo de microempresas, empresas de pequeno porte, pessoas jurídicas não constantes no regimento e pessoas físicas, como ditam os §1º e 2º do art. 8 da Resolução do CNJ (4).
Aliás, justamente pelo caráter não obrigatório para alguns agentes é que, ao fazer remissão sobre o modo de citação eletrônica, o art. 246 do CPC prevê o ato como preferencial, não impondo qualquer efeito de revelia caso não confirmada a citação em até 3 (três) dias úteis contados do recebimento da citação eletrônica (5), mas exigindo que os cadastrados obrigatórios justifiquem de forma fundamentada, na primeira oportunidade de manifestação, o motivo pelo qual não houve a confirmação do recebimento de citação eletrônica, sob pena de multa de até 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa (6).
Vale destacar que o movimento de penalização dos entes que, injustificadamente, impuserem resistência a este tipo preferencial de realização do ato citatório é um claro aceno de que a intenção do legislador é de tornar a prevalência da citação eletrônica em obrigatoriedade, podendo até transformar a multa pecuniária em efeitos mais gravosos, tais como a revelia.
Por enquanto, a lei processual prevê que, não havendo a confirmação de recebimento da citação pela via eletrônica, o ato deve ser mantido pelas vias já tradicionalmente conhecidas (art. 246, §1º-A). O art. 247, neste sentido, prevê as hipóteses de exceção nas quais não deve prevalecer a citação eletrônica (7).
Ainda que estejamos falando de relevantes contribuições ao funcionamento do sistema citatório previsto em nosso ordenamento jurídico, a operacionalização do modo preferencial eletrônico ainda esbarra na inexistência de sistemas integrados de dados eletrônicos e, consequentemente, indica uma postergação da efetividade dos novos dispositivos instituídos, de modo que a ideia é bastante interessante, mas ainda parece muito distante de ter uma aplicação ordeira e eficaz.
Guilherme Henrique Vieira Calais Rezende
Advogado da Equipe de Direito Consumerista do VLF Advogados
(1) Sobre o tema, vale a leitura do artigo “O impulso da pandemia à evolução digital da Justiça”, de Marcos Florão, disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/a-pandemia-como-catalisadora-da-evolucao-digital-da-justica-brasileira-16062020. Acesso em: 17 set. 2021.
(2) Artigo 77 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015): “Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: (...) VII - informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário e, no caso do § 6º do art. 246 deste Código, da Administração Tributária, para recebimento de citações e intimações.”
(3) Informação disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/processo-judicial-eletronico-pje/comunicacoes-processuais/. Acesso em: 16 set. 2021.
(4) Artigo 8º da Resolução nº 234/2016 do CNJ: “A Plataforma de Comunicações Processuais do Poder Judiciário é o ambiente digital próprio do destinatário da comunicação processual, mantido pelo CNJ na rede mundial de computadores. § 1º O cadastro na Plataforma de Comunicações Processuais do Poder Judiciário é obrigatório para a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades da administração indireta, bem como as empresas públicas e privadas, com exceção das microempresas e empresas de pequeno porte, para efeitos de recebimento de citações, constituindo seu domicílio judicial eletrônico, conforme disposto no art. 246, § 1º, da Lei 13.105/2015. § 2º O cadastro na Plataforma de Comunicações Processuais do Poder Judiciário, para o recebimento de citações, é facultativo para as pessoas físicas e jurídicas não previstas no parágrafo anterior.”
(5) Artigo 246, §1º-A do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015): “A ausência de confirmação, em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, implicará a realização da citação: I - pelo correio; II - por oficial de justiça; III - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório; IV - por edital.”
(6) Artigo 246, §1º-B e C do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015): “a primeira oportunidade de falar nos autos, o réu citado nas formas previstas nos incisos I, II, III e IV do § 1º-A deste artigo deverá apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente. Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico.”
(7) Artigo 247 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015): “A citação será feita por meio eletrônico ou pelo correio para qualquer comarca do País, exceto: I - nas ações de estado, observado o disposto no art. 695, § 3º; II - quando o citando for incapaz; III - quando o citando for pessoa de direito público; IV - quando o citando residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência; V - quando o autor, justificadamente, a requerer de outra forma.”