A impossibilidade de se alcançar terceiro estranho à lide na fase de cumprimento de sentença
Diego Murça e Tamires Fernandes
O cumprimento de sentença se traduz como a fase do processo civil em que a parte titular do direito reconhecido pelo juízo busca satisfazer a decisão de mérito exigindo do devedor o adimplemento da obrigação, sob pena das sanções previstas na legislação, como a multa do art. 523, §1º, do Código de Processo Civil (“CPC”).
Embora o Exequente possua diversos mecanismos processuais para exigir do Executado o que é devido, não raramente nos deparamos com execuções frustradas por devedores que não cumprem a obrigação da forma esperada ou que não possuem patrimônio suficiente para saldar o débito.
Diante da execução frustrada, poderia o Exequente direcionar o cumprimento da sentença a terceiro estranho à lide? Via de regra, a resposta para a pergunta é não.
O art. 513, §5º do CPC proíbe a inclusão do corresponsável, coobrigado ou do fiador no cumprimento de sentença, caso não tenha participado da fase de conhecimento. Confira:
Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.
[...]
§ 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.
Portanto, a princípio, o Exequente não pode direcionar o cumprimento de sentença à parte que não integrou a fase de conhecimento da ação de origem, ainda que ela seja corresponsável pelo débito. Entendimento contrário ofenderia os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório, além de transgredir a coisa julgada, sobretudo porque o CPC, em seu art. 506, prevê que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.
A respeito do assunto, o col. STJ entende que, “com o trânsito em julgado da sentença, os litigantes ficam adstritos aos limites impostos pelo título judicial e não podem rediscutir o que não está assegurado na sentença condenatória proferida na fase de cumprimento, sob pena de ofensa à coisa julgada” (1). Logo, em regra, não se pode alterar as partes vinculadas ao título executivo judicial na fase de sua execução.
Ainda nesse sentido, ao julgar o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1657737/SP, o STJ reafirmou o entendimento de que “o alcance subjetivo da sentença, à luz do disposto nos arts. 458, 472 e 568, I, do CPC, reclama a expressa indicação das partes que serão por ela alcançada – em especial dos que integrarão o polo passivo na execução –, sob pena de não ser constituído título judicial contra aquele que, não obstante tenha figurado na demanda, não foi imposta nenhuma obrigação pelo comando sentencial” (2).
Logo, o procedimento de execução deve se ater ao alcance subjetivo da sentença, que dispõe sobre a impossibilidade de o título executivo judicial beneficiar ou prejudicar terceiros estranhos à fase de conhecimento (3).
A desconsideração da personalidade jurídica, no entanto, representa uma exceção ao entendimento acima, tendo em vista que possibilita ao juízo incluir no polo passivo do cumprimento de sentença um terceiro que não participou da fase de conhecimento na origem, desde que preenchidos os requisitos legais para isso.
Trata-se de um instituto processual regido pelos arts. 133 a 137 do CPC, pautado pelos princípios do contraditório e ampla defesa, e que autoriza o direcionamento do cumprimento de sentença aos sócios da empresa ou mesmo às sociedades integrantes de um grupo econômico, caso constatada a prática de fraude ou abuso de direito.
A desconsideração da personalidade jurídica como exceção ao alcance de terceiro estranho à lide na fase de cumprimento de sentença é ratificada pela jurisprudência do próprio STJ, como se observa nos esclarecimentos da Ministra Nancy Andrighi, no julgamento Recurso Especial nº 1776865/MA:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚM. 284/STF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. SISTEMA UNIMED. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CADEIA DE FORNECEDORES. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA SOCIEDADE QUE NÃO CONSTA DO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. CARACTERIZAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. JULGAMENTO: CPC/15. [...] Uma vez formado o título executivo judicial contra uma ou algumas das sociedades, poderão responder todas as demais componentes do grupo, desde que presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, na forma do art. 28, § 2º, do CDC. 9. Hipótese em que, tendo a recorrente ajuizado a ação apenas em face de Unimed Confederação das Cooperativas Médicas do Centro Oeste e Tocantins, não é possível, na fase de cumprimento de sentença, redirecionar a execução para a Unimed Cooperativa Central e as demais unidades, sem a prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 10. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. (4)
Desse modo, geralmente, não é possível a modificação do polo passivo ou o redirecionamento do cumprimento de sentença ao terceiro que não integrou a fase de conhecimento da ação judicial, salvo a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, precedido de instrução probatória pautada sobretudo no devido processo legal.
Gostou do tema e se interessou pelo assunto? Mais informações podem ser obtidas junto à equipe do contencioso cível do VLF Advogados.
Diego Murça
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Tamires Fernandes
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) STJ, T4, AgInt no AREsp 1748751/SP, Ministro RAUL ARAÚJO, 30/06/2021
(2) STJ, T4, AgInt no AREsp 1657737/SP, Ministro RAUL ARAÚJO, 08/10/2020
(3) STJ, T3, AgRg no AREsp 852.094/SP, Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 10/06/2016.
(4) REsp 1776865/MA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020)