Voto de qualidade e correntes jurisprudenciais: o que esperar sobre o entendimento do CARF acerca da tributação dos juros sobre capital próprio?
Laura Maakaroun
Começam a ser percebidos no meio tributário os efeitos da extinção do voto de qualidade do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (“CARF”), propiciado pela publicação e vigência do art. 28 da Lei nº 13.988/2020 (1). Já se falou neste espaço sobre o instituto no âmbito do Conselho, e, as alterações de jurisprudência havidas desde então, permitem verificar que, de fato, a ocorrência dos chamados votos de bancada, por vezes acarretava julgamento favorável à Autoridade Fiscal.
Nesta linha, analisa-se a publicação recente de acórdão cuja matéria usualmente era decidida contrariamente à pretensão dos contribuintes: a tributação pelo IRPJ dos Juros sobre Capital Próprio no decorrer do tempo (“JCP”). O processo nº 16327.001202/2009-72 (2), já julgado sob a nova sistemática de desempate em favor do contribuinte, teve como desfecho a permissão de dedução de juros sobre capital próprio do Lucro Real sem a imposição de limite temporal.
No caso, a empresa combatia autuação de IRPJ e CSLL do ano-calendário 2007, em que a Fazenda considerou indevida a dedução, da base de cálculo do IRPJ, dos Juros Sobre o Capital Próprio que remetiam aos anos-calendário 1999, 2000 e 2003. Dentre os fundamentos lançados para manter a autuação, defendia-se a existência de uma limitação temporal que invalidaria a dedução feita pela empresa de exercícios financeiros anteriores, tese que não prevaleceu com o julgamento do recurso especial por ela apresentado.
Sobre a matéria, é importante relembrar que o JCP funciona como instrumento alternativo à distribuição de dividendos, muito usado pelas empresas de maior porte para remunerar os sócios. A tributação dos JCP pelo IR somente se verifica quando há lucro aferível, se dando, ainda, na mesma proporção desse lucro. Por ser realizada antes do lucro líquido, seu pagamento é considerado como despesa passível de dedução na apuração de IR pelo Lucro Real, constituindo ferramenta interessante para reduzir o valor do imposto.
Em atenção à nova disposição do voto de qualidade, o recurso do contribuinte foi provido e confirmou a legitimidade da dedução dos juros sobre o capital próprio realizada. A matéria discutida, ainda divergente no âmbito do CSRF, conta com precedentes do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais (3) que corroboram a pretensão dos contribuintes; inobstante, é interessante verificar, na prática, como a mudança na sistemática de desempate no Conselho já tem repercussões práticas no cotidiano das empresas.
É bastante provável que mudanças semelhantes ocorram em outros temas, pelo que se torna cada vez mais importante o acompanhamento da Câmara Superior do CARF. Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe de Direito Tributário do VLF Advogados.
Laura Maakaroun
Advogada da Equipe Tributária do VLF Advogados
(1) Art. 28. A Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 19-E:
“Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.”
(2) O inteiro teor do acórdão pode ser consultado eletronicamente aqui.
(3) REsp 1086752/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 11/03/2009; Apelação/Reexame necessário n. 5001514-88.2017.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO. Sexta Turma do TRF 3ª Região, 6ª Turma, julgado em 11/02/2020.