A relação de cooperação entre a arbitragem e o judiciário
Marina Leal e Aline Piteres
As partes, no exercício de sua autonomia, podem escolher submeter seus conflitos à arbitragem, nos termos da Lei nº 9.307/96 (“Lei de Arbitragem”). Isso pode ser feito tanto por meio de previsão de cláusula compromissória em um contrato (forma mais comum) quanto com a celebração de um compromisso arbitral já após o surgimento do conflito. Com isso, a situação litigiosa será resolvida por um tribunal arbitral ou um árbitro único, escolhidos pelas partes ou pela câmara arbitral, retirando, assim, a competência do poder judiciário para julgar a matéria.
Não obstante, mesmo os litígios levados à arbitragem podem depender do poder judiciário em algum momento. A título exemplificativo, as partes podem submeter eventuais tutelas de urgência às cortes estatais antes da constituição do tribunal arbitral (1) ou, caso a sentença arbitral não seja cumprida voluntariamente, a parte ganhadora poderá ter que ingressar com uma execução judicial (2). Há, ainda, a possibilidade de anulação da sentença arbitral, caso seja verificada a ocorrência de alguma das hipóteses do art. 32 da Lei de Arbitragem (3). Mas, para além dos casos mais recorrentes acima citados, há também outras hipóteses em que a cooperação do poder judiciário é importante, até mesmo para a boa condução do procedimento arbitral.
Para algumas dessas situações, tanto o Código de Processo Civil de 2015 como a Lei de Arbitragem (após a sua reforma em 2015, por meio da Lei nº 13.129/15) previram as Cartas Arbitrais. Ambos os instrumentos normativos trazem, respectivamente:
Art. 237. Será expedida carta:
IV - arbitral, para que órgão do Poder Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela provisória.
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Art. 22-C. O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro.
Isso, pois, apesar de o árbitro possuir poder para decidir o conflito a ele submetido, não possui o chamado “poder de império” que permite a execução de suas ordens, dependendo do judiciário para tanto (4). Desse modo, não pode o árbitro, por exemplo, ordenar a condução de uma testemunha à audiência ou, mesmo, conduzir a busca e apreensão de determinado objeto. Faltam ao árbitro os poderes coercitivos para tanto. Assim, a Carta Arbitral pode, por vezes, ser essencial para a efetividade do procedimento arbitral.
Recentemente foi publicada a Resolução 421 do Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”), que versa especificamente sobre a cooperação judiciária nacional em matéria de arbitragem (5). Esta prevê que os pedidos de cooperação previstos na Resolução 350, também do CNJ (6), podem ser formulados entre os árbitros ou órgãos arbitrais e os órgãos do Poder Judiciário, além de listar os requisitos que devem constar da Carta Arbitral, como a identificação do árbitro, a qualificação das partes e a indicação do ato a ser praticado. Por fim, prevê, ainda, que caso a arbitragem seja confidencial, os pedidos de cooperação judiciária entre juízos arbitrais e órgãos do Poder Judiciário deverão observar o segredo de justiça.
A interface e a cooperação com o judiciário, dessa forma, podem ser muito relevantes para aqueles que atuam com arbitragens e merecem a atenção, tanto dos árbitros, como das partes, de forma a garantir a eficiência e efetividade do procedimento.
As Equipes de Arbitragem e Contencioso Cível do VLF acompanham os desenvolvimentos do tema e defendem o interesse de seus clientes em ambas as esferas.
Marina Leal
Advogada da Equipe de Arbitragem
Aline Piteres
Advogada da Equipe de Arbitragem
(1) Art. 22-A. Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência. Lei de Arbitragem.
(2) Destaca-se que a sentença arbitral é título executivo judicial assim como as sentenças proferidas por juízes togados: art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo. Lei de Arbitragem.
(3) Art. 32. É nula a sentença arbitral se:
I - for nula a convenção de arbitragem;
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
V – (revogado);
VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e
VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.
(4) “É bastante comum ouvir dizer que o árbitro não tem poder de império, logo, em diversas situações deverá requerer ao juiz togado que o auxilie na efetivação de algumas medidas que se passam dentro do processo arbitral. O árbitro não tem mesmo poderes coercitivos. Não pode, por exemplo, praticar atos executivos; até porque o processo de execução e o cumprimento de sentença sempre se passam no Poder Judiciário”. BERALDO, Leonardo de Faria. A eficácia das decisões do árbitro perante o registro de imóveis. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 58, pp. 171-180, 2018, p. 174.
(5) https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4150
(6) https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3556