Prazo de dois anos do art. 1003, parágrafo único do Código Civil, limita-se às obrigações de natureza objetiva, vinculadas diretamente às quotas cedidas pelo sócio
Gabrielle Aleluia, Tamires Fernandes e Sílvia Badaró
Ao julgar o Recurso Especial nº 1.901.918/PR (1), de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que o ex-sócio responde solidariamente por dívida contraída pela sociedade se ele tiver figurado no título executivo na qualidade de devedor solidário, mesmo após o decurso do prazo de dois anos da cessão de suas quotas, não se aplicando o disposto no art. 1003, parágrafo único do Código Civil (“CC”) nessa hipótese.
Trata-se, na origem, de execução ajuizada pelo Itaú Unibanco S.A perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, para cobrança de créditos inadimplidos, referentes à Cédula de Crédito Bancário assinada pela ex-sócia na qualidade de devedora solidária.
O Tribunal de origem reconheceu a ilegitimidade passiva da ex-sócia e extinguiu o feito em relação a ela, em decorrência do escoamento do prazo de dois anos previsto no artigo 1.003, parágrafo único, do CC (2), segundo o qual, o cedente de quotas responde solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio até dois anos depois de averbada a alteração contratual.
A Terceira Turma do STJ, porém, reformou a referida decisão, por considerar que a responsabilidade solidária envolvendo o antigo e o novo sócio está relacionada apenas às obrigações de natureza objetiva, vinculadas diretamente às quotas da sociedade, sendo que no caso em análise, a obrigação da ex-sócia seria subjetiva, decorrente do exercício de sua autonomia privada, qual seja, a assinatura da Cédula de Crédito Bancário na qualidade de devedora solidária.
Para a Relatora, “as obrigações que geram solidariedade entre cedente e cessionário, para fins do art. 1.003, parágrafo único, do CC são aquelas de natureza objetiva que se vinculam diretamente às quotas sociais, não estando compreendidas nesta hipótese as obrigações de caráter subjetivo do sócio, resultantes do exercício de sua autonomia privada ou da prática de ato ilícito”.
De acordo com a decisão, portanto, o prazo de dois anos do art. 1003, parágrafo único do CC “restringe-se as obrigações que o cedente das quotas possuía na qualidade de sócio, não abrangendo qualquer outra relação jurídica mantida por ele que escape esse pressuposto”.
A própria decisão, porém, ressalta que esta orientação ainda não foi enfrentada diretamente pela Corte, mas que estaria em consonância com o entendimento segundo o qual o limite temporal imposto pelos arts. 1003 e 1032 (3) do CC incidiriam apenas em relação às obrigações decorrentes de eventos sociais ordinários, como a não integralização do capital social, não alcançando outras situações jurídicas.
No caso em questão, como visto, a Corte entendeu que a obrigação inadimplida foi assumida pela ex-sócia no exercício de sua autonomia privada, uma vez que ela assinou a Cédula de Crédito Bancário na qualidade de devedora solidária, por livre manifestação de vontade. Assim, não se tratando de obrigação decorrente exclusivamente da sua posição de sócia ou de estipulação prevista no contrato social, não se aplicaria a limitação temporal do art. 1003 do CC, mas sim o disposto no art. 264 do CC (4), segundo o qual, cada devedor solidário concorre pela totalidade da dívida.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas junto à equipe da área do contencioso cível do VLF Advogados.
Gabrielle Aleluia
Coordenadora da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Tamires Fernandes
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Sílvia Badaró
Estagiária da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) STJ, Terceira Turma, REsp nº 1901918 / PR (2020/0274702-3), Rel. Min. Nancy Andrighi, 10.08.2021.
(2) Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.
Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.
(3) Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.
(4) Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.