A responsabilidade do transportador por roubo de carga à luz da Lei nº 11.442/2007 e da jurisprudência do STJ
Mariana Cavalieri e Diego Murça
Por se tratar do principal meio de deslocamento de cargas no país, o modal rodoviário é desafio constante para as empresas que pretendem executar boas práticas de logística e garantir o cumprimento das normas e diretrizes que regulam o transporte rodoviário de cargas no Brasil.
Para o bom funcionamento dessa modalidade de transporte, portanto, é essencial que o Contratante e o Transportador conheçam e dominem as principais normas relativas ao tema, atualmente compiladas na Lei nº 11.442/2007, que regulamenta o transporte rodoviário de cargas realizado por terceiros mediante remuneração.
Dentre os principais pontos tratados na legislação, que devem ser conhecidos pelos envolvidos na contratação deste serviço, destacam-se: a natureza do contrato firmado entre o Contratante e o Transportador, a forma de instrumentalização da prestação do serviço e as responsabilidades de cada uma das partes.
Quanto ao primeiro ponto, sabe-se que a prestação do serviço de transporte rodoviário de cargas no Brasil depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (“RNTR”), da Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”) e pode ser exercido tanto por pessoas físicas (transportador autônomo), quanto jurídicas (empresas de transporte), não caracterizando vínculo empregatício em nenhuma hipótese.
O transporte rodoviário de cargas será instrumentalizado em contrato e mediante conhecimento de transporte, uma espécie de documento fiscal emitido pelo transportador para cobrir a carga transportada entre o local de origem e o destino, contendo informações para a completa identificação das partes, dos serviços e do material transportado.
A partir da assinatura do contrato de transporte ou emissão do respectivo conhecimento de transporte, o transportador torna-se responsável pela carga até a sua entrega ao destinatário, compreendendo desde eventuais prejuízos resultantes da perda, danos ou avarias, até o atraso na entrega, sem prejuízo da observância das cláusulas do contrato de seguro, quando houver. É o que dispõe o art. 9º, da Lei nº 11.442/2007:
Art. 9º A responsabilidade do transportador cobre o período compreendido entre o momento do recebimento da carga e o de sua entrega ao destinatário.
Parágrafo único. A responsabilidade do transportador cessa quando do recebimento da carga pelo destinatário, sem protestos ou ressalvas.
A depender do trajeto em que a carga vai se deslocar, incidentes como o roubo de carga são recorrentes e, portanto, medidas de cautela como deslocamento em horários de pouco risco, contratação de seguro, uso de escolta no veículo ou de rastreador na carga devem ser adotadas pelos transportadores.
Em casos de roubo de carga, o entendimento sobre a responsabilidade do transportador ainda é controverso. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, já se posicionou no sentido de que “o roubo de carga só constitui força maior que exclui a responsabilidade da transportadora se demonstrado que esta adotou todas as cautelas que razoavelmente dela se poderia esperar ou que o contrato celebrado exigia”. Vale destacar, contudo, que a responsabilidade do transportador pela perda ou danos à carga é limitada ao valor constante do contrato ou conhecimento de transporte, acrescido dos valores do frete e do seguro correspondentes.
Nesses casos, também é preciso estar atento ao prazo para se exigir reparação, pois a pretensão reparatória prescreve em 1 (um) ano, contado a partir do conhecimento do dano pela parte interessada (Lei nº 11.442/2007, art. 18). Trata-se de prazo prescricional específico, inferior àqueles previstos nos artigos 205 e 206 do Código Civil, que merece atenção de ambas as partes.
Por outro lado, o STJ tem entendido, majoritariamente (2), que o assalto à mão-armada configuraria força maior, já que “o roubo de mercadoria transportada, praticado mediante ameaça exercida com arma de fogo, é fato desconexo ao contrato de transporte e, sendo inevitável, diante das cautelas exigíveis da transportadora, constitui-se em caso fortuito ou força maior, excluindo-se sua responsabilidade pelos danos causados, nos termos do CC/2002” (3).
Por isso, é essencial que o transportador, o contratante e o proprietário da carga transportada estejam atentos às singularidades da ocorrência, tais como a adoção de medidas de cautela e a utilização de arma de fogo. Somente assim será possível analisar a responsabilidade pelo dano e fazer uma gestão adequada do risco de eventual demanda judicial.
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Mariana Cavalieri
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Diego Murça
Advogado da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) TJSP, 19ª Câmara de Direito Privado, Apelação 1000105-84.2019.8.26.0004, Des. Daniela Menegatti Milano, 03/07/2020.
(2) Há diversos outros julgados no mesmo sentido: REsp 435865-RJ, REsp 899429-SC, REsp 904733-MG, AgInt no AREsp 1017794-SP, AgRg no AREsp 175821-SP, REsp 976564-SP.
(3) STJ, T3, REsp 1660163 SP, Min. Nancy Andrigui, 09/03/2018.