Obrigatoriedade da vacina contra a COVID-19 e as consequências jurídicas para o contrato de trabalho
Lorena Carvalho Lara
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em dezembro de 2020, decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a COVID-19, prevista na Lei nº 13.979/2020 (1).
O entendimento foi firmado no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (“ADIs”) 6586 e 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a COVID-19, e do Recurso Extraordinário com Agravo (“ARE”) 1267879, em que se discute o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas.
Nas ADIs, foi fixada a seguinte tese:
A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.
Em 28 de janeiro de 2021 o Ministério Público do Trabalho (“MPT”) divulgou nota técnica sobre a vacinação: “Guia Técnico Interno do MPT Sobre Vacinação da COVID-19” (2), estabelecendo as seguintes consequências para o contrato de trabalho:
> As empresas devem prever o risco biológico do SARS-CoV-2 no PPRA e a vacinação dentre as medidas a serem implementadas no PCMSO (NOTA TÉCNICA n. 20/2020);
> A recusa injustificada do trabalhador em submeter à vacinação, seja fornecida pelo empregador, seja pelo Poder Público, pode caracterizar ato faltoso e possibilitar aplicação de sanção prevista na CLT;
> Sendo clinicamente justificada a recusa, a empresa deverá adotar medidas de proteção do trabalhador, como a sua transferência para o trabalho não presencial, se possível, na forma da legislação, de modo a não prejudicar a imunização da coletividade de trabalhadores;
> Não sendo possível o teletrabalho e sendo legítima a recusa, não existe fundamento técnico para caracterização do ato faltoso do trabalhador e a empresa deve adotar medidas de organização do trabalho, de proteção coletiva e de proteção individual (vide Notas Técnicas do GT COVID-19);
> Diante da recusa, a princípio injustificada, deverá o empregador verificar as medidas para esclarecimento do trabalhador, fornecendo todas as informações necessárias para elucidação a respeito do procedimento de vacinação e das consequências jurídicas da recusa;
> Persistindo a recusa injustificada, o trabalhador deverá ser afastado do ambiente de trabalho, sob pena de colocar em risco a imunização coletiva, e o empregador poderá aplicar sanções disciplinares, inclusive a despedida por justa causa, como ultima ratio, com fundamento no artigo 482, h, combinado com art. 158, II, parágrafo único, alínea “a”, pois deve-se observar o interesse público, já que o valor maior a ser tutelado é a proteção da coletividade.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em decisão publicada em 19 de julho de 2021, autos nº 1000122-24.2021.5.02.0472 manteve a justa causa de uma auxiliar de limpeza hospitalar que recusou a vacinação sem motivos médicos, considerando, ainda, a comprovação pelo hospital de que havia realizado campanhas de conscientização e que fora aplicada advertência à empregada antes da justa causa.
Considerando que a empresa tem a responsabilidade de garantir e manter um ambiente do trabalho sadio e seguro para os seus empregados, conforme previsão do art. 7º, XXII da Constituição Federal/88 (3), art. 157 da CLT (4) e art. 19, §§, 1º, 2º e 3º da Lei nº 8.213/1991 (5), deve o empregador, prever em norma interna, PCMSO e PPRA a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19, devendo, em casos confirmados e suspeitos, determinar o afastamento do local de trabalho, além de adotar campanhas explícitas de conscientização sobre a importância de se vacinar, contendo esclarecimentos sobre a eficácia e segurança dos imunizantes.
Na hipótese de recusa injustificada do empregado em se vacinar contra a COVID-19, conforme se observa pela Nota Técnica do MPT, e pelo jugado do TRT da 2ª Região, apesar de haver a possibilidade de aplicação da justa causa, ela deve ser considerada a última opção, devendo o empregador em primeiro momento estimular e informar ao trabalhador sobre a importância do ato de vacinação e as consequências da sua recusa, propiciando-lhe atendimento médico ou psicológico, com esclarecimentos sobre a vacina.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas com a equipe trabalhista do VLF Advogados.
Lorena Carvalho Lara
Advogada da Equipe Trabalhista do VLF Advogados
(1) https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457462
(3) Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
(4) Art. 157 - Cabe às empresas:
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.
(5) Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.
§ 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.
§ 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.