Mrs. Dalloway (livro), de Virginia Woolf, e Mano a Mano (Podcast)
Letícia Camargos e Sabrina de Araújo Frattari
Mrs. Dalloway (livro), de Virginia Woolf
Integrante da alta sociedade britânica, Clarissa Dalloway está organizando uma festa. Ao mesmo tempo, a anfitriã também se prepara emocionalmente para reencontrar antigos amigos de seu ciclo social. A essa altura, Clarissa, que “andara adormecida durante a vida”, não conseguia mais sentir sequer o eco de suas antigas emoções. Mas ela conseguia lembrar a sensação de quase congelar-se com a excitação quando algo importante estava próximo de acontecer – como era o caso dessa solenidade. Pois, ao menos para os grandes poetas ingleses, nada é tão frio quanto os olhares que saem à noite pelas ruas de Londres.
O romance Mrs. Dalloway, de Virgínia Woolf, pormenoriza este único dia. Este único evento. No entanto, Woolf transforma os meros preparativos para uma festa em uma profunda reflexão sobre a consciência humana, o vazio e a hipocrisia da sociedade moderna, a angústia existencial e os transtornos mentais ocasionados pelo período de guerras. Durante a leitura da obra, percebemos que os complexos personagens de Woolf conseguem sobreviver a uma guerra, mas não aos fantasmas dessa decorrentes.
A protagonista Clarissa, já nos seus 50 anos, embarca em um espiral autodestrutivo ao repensar suas escolhas de vida durante o evento. Casada e mãe, Mrs. Dalloway sente o peso de suas oportunidades desperdiçadas e desconexões emocionais. A pretendida celebração torna-se um momento de inquietação, no qual Clarissa confronta as suas memórias e as antigas versões de si mesma e dos outros personagens que ali são seus convidados. É como se Dalloway, metaforicamente e antecipando o fim trágico de Woolf, se afogasse nas suas emoções. Na verdade, esse afogamento é uma das diversas referências shakespearianas na obra. Porém, ao contrário da indefesa Ophelia, que dá a vida por Hamlet, em Virgínia Woolf, a figura masculina é fadada a sacrificar-se no lugar da mulher.
Mrs. Dalloway é um marco para os amantes da literatura ocidental pois, assim como Ulysses, do irlandês James Joyce, o livro é um dos pioneiros no desenvolvimento do fluxo de consciência. Os pensamentos de Virgínia não se restringem a uma linha curta e temporal (o que é bem explorado no seu romance posterior, Orlando, o qual também recomendo). Na verdade, a autora não utiliza a linearidade nem mesmo durante a narração, adentrando o pensamento dos personagens de forma direta e indireta durante toda a obra.
Não é à toa que o processo criativo de Mrs. Dalloway foi explorado por Michael Cunningham em As Horas, livro que fora adaptado para o cinema e aclamou Nicole Kidman com o Oscar de Melhor Atriz. Interpretando Woolf, a atriz conseguiu imergir nas inquietações que sofria a caótica mente de Woolf e ilustrar a desintegração mental que a autora apenas demonstrava para o mundo por meio de sua escrita.
Virgínia Woolf, neste livro, combina questionamentos existencialistas, aventuras homoafetivas, ideais feministas e críticas aos tratamentos reservados àqueles que sofrem de doenças psicológicas. É uma obra genial que faz jus ao prestígio internacional que recebe e nos convida, na companhia de Clarissa Dalloway, a questionarmos as nossas escolhas. Clarissa, por fim, nos prestigia com uma segunda chance.
Letícia Camargos
Estagiária da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Mano a Mano (Podcast)
Rapper icônico do cenário nacional, Mano Brown se lançou de cabeça no mundo dos podcasts e não poderia ter dado mais certo.
Brown tem se mostrado um excelente entrevistador e o podcast Mano a Mano, que foi lançado em agosto de 2021, figura entre os mais escutados da plataforma Spotify, chegando a milhões de ouvintes pelo país.
Qual seria o segredo do sucesso? Para mim, são dois ingredientes aparentemente paradoxais: a simplicidade e a sofisticação.
Brown consegue trazer o entrevistado para perto, verdadeiramente perto, num bate-papo informal, atraente e bem doméstico. O ritmo segue amistoso independente da crença, do partido e do time do futebol do entrevistado. Ainda assim, Brow mostra que sabe perguntar, embora sua principal característica seja a de saber ouvir!
A sofisticação fica por conta de como o rapper entrevistador vai desfilando suas perguntas de maneira afável, mas também inteligente e contundente, tanto que muitas vezes o entrevistado se contradiz em seus próprios argumentos, sem percebê-lo. É impressionante tratar-se de um novato nesta arte. A experiência da quebrada certamente deve ajudar muito.
Há uma variedade de temas e convidados e os episódios novos são postados às quintas-feiras.
Até o momento já foram entrevistados a rapper Karol Conká, o médico Dráuzio Varella, o ex-presidente Lula, os ex-jogadores Gilberto Sorriso, Juary e Pitta, o pastor Henrique Vieira, o vereador paulista Fernando Holiday, o técnico Luxemburgo, a cantora e deputada estadual Leci Brandão e o rapper Djonga.
É um podcast mais longo, todos os episódios têm mais de uma hora de duração, mas é uma coletânea de conteúdos interessantes, importantes e de muitas revelações.
O apresentador não hesita em expor sua opinião ao entrevistado, ainda que sobre assuntos polêmicos, até mesmo quando diverge do entrevistado, como no episódio que entrevista o vereador paulista Holiday, símbolo do Movimento Brasil Livre, entrevista que fez Brown ser duramente criticado por ouvir e dar voz ao vereador direitista que luta contra cotas raciais e que já se envolveu em polêmicas com o movimento negro.
O podcast conta com a assessoria em tempo real da jornalista Semayat Oliveria, que está a postos para conferir dados e fazer pesquisas sobre os temas tratados. Não tem lugar para fake news e o entrevistado corre o risco de ser desmascarado ali mesmo.
Mano a Mano é um podcast que tem rendido o que falar e principalmente o que ouvir! Vida inteligente nas manhãs das quintas-feiras. Recomendo!
Sabrina de Araújo Frattari
Advogada em Belo Horizonte