Depósito de bem diverso de dinheiro não ilide a incidência de multa e honorários no Cumprimento Provisório de Sentença
Kelly Cristina Sousa de Paula
Em recente decisão proferida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), de forma unânime, firmou-se o entendimento de que no cumprimento provisório de sentença não é possível ao executado depositar bem diverso daquele determinado em decisão judicial, sob pena de ao fazê-lo, não ser isento do pagamento da multa de 10% (dez por cento) e dos honorários advocatícios sucumbenciais.
O artigo 520, §3º do Código de Processo Civil assegura que:
Art. 520. O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, sujeitando-se ao seguinte regime:
[...]
§3º Se o executado comparecer tempestivamente e depositar o valor, com a finalidade de isentar-se da multa, o ato não será havido como incompatível com o recurso por ele interposto.
A controvérsia na interpretação do dispositivo residia no alcance da expressão “depositar o valor”, ou seja, se a isenção da multa compreendia apenas os casos em que o devedor prestava a garantia por meio de depósito em dinheiro, ou se se aplicava também quando a garantia era oferecida por meio de depósito de bem de valor equivalente ao débito apurado.
No julgamento do Resp nº 1.942.671/SP, a relatora Ministra Nancy Andrighi, evidenciando as divergências existentes na própria doutrina, citou entendimento externado pelos juristas Renato Montas de Sá e Daniel Amorim Assumpção Neves, que defendem o posicionamento de ser possível o oferecimento de bem cujo valor é equivalente ou representativo do valor executado.
Nesse sentido, veja-se o trecho extraído da obra de Daniel Amorim e citado no acórdão proferido quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.942.671/SP (1):
Questão interessante e ainda pouco versada na doutrina diz respeito ao demandado que, não tendo dinheiro e não conseguindo transformar seu patrimônio em dinheiro no prazo de 15 dias, como forma de evitar a aplicação da multa, oferece para a satisfação do direito do exequente outro bem que não seja dinheiro. Tratar-se-ia, com as notórias diferenças, de uma espécie de dação em pagamento. Entendo adequada a conclusão de que o legislador se valeu no dispositivo legal de uma espécie de cumprimento da obrigação – pagamento – por ser essa a forma mais tradicional de satisfação de direito em execuções de pagar quantia certa. Essa opção, entretanto, não impede a conclusão de que outras formas de cumprimento da obrigação, mesmo aquelas mais raras, possam ser admitidas para evitar a aplicação da multa. Se o devedor demonstra a vontade de satisfazer o direito do demandante dando em pagamento bem de seu patrimônio, não parece justa a aplicação da multa. Registre-se que nessa situação, o devedor não ofereceu uma garantia ao juízo, mas abriu mão de qualquer defesa que pudesse manejar a pretensão executiva no momento em que realização a “dação em pagamento” como forma de satisfazer o direito do credor, com o reconhecimento implícito do direito exequendo. Note-se que o oferecimento de coisa diversa de dinheiro em pagamento como medida voltada a evitar a aplicação da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC é eficaz independentemente da conduta do executado. Não se trata de negócio jurídico entre particulares, dependendo de um acordo de vontades, que até pode existir no caso concreto, mas não é indispensável para o executado atingir seu objetivo de se livrar da multa. O executado oferece o bem em pagamento ao juízo e não ao exequente, que caso não pretenda adjudicar o bem receberá seu valor em dinheiro após a alienação judicial. Por outro lado, não é desprezível a possibilidade de devedores de má-fé, com dinheiro suficiente para satisfazer o direito do credor, realizarem a “dação em pagamento” com o objetivo de complicar o andamento procedimental. Descobrindo-se no trâmite do cumprimento de sentença que à época da “dação em pagamento”, o executado tinha dinheiro para satisfazer o credor, aplica-se a multa de 10%, além das devidas sanções por ato atentatório à dignidade da justiça (art. 774, II, do CPC). (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 982).
Embora relevantes os argumentos daqueles que defendem ser possível o oferecimento de coisa diversa de dinheiro, não foi este o entendimento que prevaleceu no STJ.
No caso analisado pelo STJ, com intuito de obter a concessão de efeito suspensivo e elisão das penalidades impostas pelo artigo 523, § 2º do CPC (multa e honorários), o devedor ofereceu bem imóvel para satisfazer uma obrigação por quantia certa, garantia que foi aceita pelo Juiz de Primeiro Grau.
Ante a ausência de interesse no bem ofertado pelo executado, o credor interpôs Agravo de Instrumento junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”) o qual, em contrapartida, não aceitou um terreno de 180 alqueires ofertado pelo devedor para garantir o juízo, por não equivaler a dinheiro.
O executado, assim, interpôs Recurso Especial arguindo violação ao artigo 523, § 2º do CPC, mas o STJ, em julgamento unânime, manteve o entendimento externado pelo TJSP, sob o fundamento de ser inviável impor ao credor a aceitação de bem diverso daquele a que tem direito, ainda que em montante superior.
Assim, coube ao exequente o direito de aceitar ou não o recebimento de coisa distinta daquela determinada em decisão judicial.
Vale dizer que o artigo 835, §2º do CPC equipara a garantia em dinheiro ao seguro garantia judicial e à fiança bancária, desde que em valor não inferior ao do débito e acrescido de trinta por cento, sendo, portanto, uma alternativa de depósito apta a afastar a multa e honorários advocatícios.
O Recurso Especial nº 1.942.671/SP revela tendência do STJ de se posicionar de maneira favorável aos interesses do exequente de modo a assegurar a efetividade da tutela jurisdicional.
Kelly Cristina Sousa de Paula
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) STJ. Recurso Especial nº 1.942.671/SP, Rel. Ministra Nancy Andrigui, TERCEIRA TURMA, julgado em 479.102/RJ, Rel. Ministro Gurgel De Faria, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 23/09/2021