Princípio do non bis in idem na nova Lei de Improbidade Administrativa: uma evolução legislativa
Arthur Batista
As Leis de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) (1) e Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) (2) sempre trabalharam juntas quando o tema é a proteção da Administração Pública, e, por consequência, da sociedade como um todo. Ambos os diplomas legais tipificam determinadas condutas, tratando-as como atos lesivos à Administração Pública.
Nas alterações promovidas na Lei de Improbidade, os atos lesivos estão descritos nos artigos 9º, 10 e 11, que preveem mais 40 ações ou omissões cometidas por agentes públicos (3) ou qualquer outra pessoa que induza ou concorra com dolo no ato (4). Caracterizadas como atos de improbidade, algumas delas se aproximam muito de condutas tipificadas na Lei Anticorrupção, que em seu artigo 5º, enumera o rol de ações que constituem atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira.
A semelhança existente entre os atos lesivos tipificados nas duas Leis é facilmente identificada. Exemplo disso é a conduta de “oferecer vantagem indevida”, situação na qual o ofensor promete ou oferece dinheiro, bens ou algum outro tipo de benefício, como presentes, cargos, entre outros, a agente público ou a terceiro a ele relacionado. Este ato está previsto no artigo 9º, inciso I, da Lei de improbidade e no artigo 5º, inciso I, da Lei anticorrupção.
Há também a proximidade das previsões legais quanto aos atos que não estão diretamente relacionados a benefício entregue a uma pessoa, mas ainda assim prejudica a coletividade por lesar, indiretamente, o patrimônio público. Para ilustrar esse tipo de ilícito, tem-se a conduta de “frustrar licitação”, ou seja, realizar qualquer tipo de combinação ou ajuste para que determinada empresa ganhe uma licitação pública, muitas vezes fazendo com que o ente público contrate por valores acima dos praticados no mercado. Essa conduta lesiva está descrita tanto no artigo 10, inciso VIII, da Lei de Improbidade, quanto no artigo 5º, inciso IV, da Lei Anticorrupção.
No tocante às sanções previstas na Lei de Improbidade, destaca-se que, com a nova redação dada ao artigo 3º, §1º (5), as pessoas físicas ligadas às pessoas jurídicas de direito privado (“PJDP"), não responderão pelo eventual ato praticado pela PJDP, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, sendo que nestes casos, as pessoas físicas responderão no limite de suas participações.
As sanções previstas para os atos lesivos também estão presentes nas duas Leis. Na Lei de Improbidade, o artigo 12 cuida do tema, enquanto na Lei Anticorrupção, o assunto é subdivido em dois grupos: as sanções para responsabilização administrativa, presentes no artigo 6º, e as sanções para responsabilização judicial, presentes no artigo 19.
A Lei de Improbidade, após as mudanças realizadas pela Lei nº 14.230/2021, prevê, em síntese, as seguintes modalidades de sanções (i) perda dos bens acrescidos ao patrimônio do ofensor ilicitamente; (ii) obrigação de ressarcir integralmente o dano ocorrido; (iii) perda da função pública; (iv) suspensão dos direitos públicos de até 14 anos; (v) multa civil ou; (vi) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios deste por até 14 anos.
Por sua vez, a Lei Anticorrupção traz como possíveis sanções aplicadas em processos administrativos (i) multa que poderá variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao procedimento administrativo e; (ii) publicação extraordinária da decisão condenatória.
Já as sanções aplicáveis em processos judiciais são: (i) perda dos bens, direitos ou valores advindos do ato lesivo; (ii) suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa; (iii) dissolução compulsória da Pessoa Jurídica e; (iv) proibição de recebimento de benefícios ou empréstimos concedidos por órgãos ou entidades públicas.
Considerando, portanto, a proximidade das Leis aqui tratadas e os possíveis reflexos que atos de improbidade podem gerar em outras esferas, como cível e penal, sempre houve discussões sobre qual Lei aplicar ao caso concreto e, ainda, o risco de incidir sobre os acusados uma multiplicidade de sanções pela mesma conduta. Nesse sentido, a nova Lei de Improbidade Administrativa trouxe importantíssima inovação em apresentar em seu artigo 12, §7º (6), o princípio do non bis in idem para a aplicação de sanções com base nas Leis de Improbidade e Anticorrupção. É a primeira vez que tal princípio é mencionado taxativamente em uma Lei fora da área penal.
Outro ponto importante que a alteração da Lei de Improbidade Administrativa veio esclarecer é o fato de que as sanções ali descritas não poderão ser aplicadas caso o ato lesivo tenha sido sancionado na Lei Anticorrupção (7), evitando assim, mais uma vez, o bis in idem.
O princípio do non bis in idem está geralmente associado à proibição de que um Estado imponha a um indivíduo uma dupla sanção ou um duplo processo (bis) em razão da prática de uma mesma conduta (idem) (8). Conforme esse princípio, o Estado não poderá processar ou sancionar uma pessoa (física ou jurídica), duas vezes, numa mesma área do Direito, por um mesmo ato praticado.
Para mitigar os riscos de envolvimento em atos de improbidade ou de corrupção e aplicações de sanções nesse sentido, bem como evitar a ocorrência de danos reputacionais, é essencial que a empresa possua um programa de integridade sólido e desenvolvido sob medida. O VLF possui uma equipe especializada em compliance, pronta para lhe atender nessas questões. Caso deseje saber um pouco mais sobre o assunto, entre em contato conosco.
Arthur Batista
Advogado da Equipe de Consultoria e Compliance do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm. Acesso em: 25 nov. 2021.
(2) BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 25 nov. 2021.
(3) Agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º da Lei 8.429/92.
(4) Artigo 3º da Lei 8.429/92.
(5) Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. § 1º Os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação.
(6) Artigo 12, § 7º da Lei 8.429/92: “as sanções aplicadas a pessoas jurídicas com base nesta Lei e na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, deverão observar o princípio constitucional do non bis in idem.”
(7) Artigo 3º, §2º da Lei 8.429/92: “as sanções desta Lei não se aplicarão à pessoa jurídica, caso o ato de improbidade administrativa seja também sancionado como ato lesivo à administração pública de que trata a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.”
(8) FONSECA, Carlos Rodolfo. O princípio do ne bis in idem e a Constituição Brasileira de 1988. Boletim Jurídico. Direito, Estado e Sociedade, 2018.