Alterações na Lei de Improbidade Administrativa, trazidas pela Lei nº 14.230/21, sob a ótica processual
Maria Tereza Fonseca Dias, Gabrielle Aleluia e Ana Paula Dalpizzol
Foi sancionada, no último dia 25 de outubro, a Lei nº 14.230/2021, que altera substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). A vedação da cumulação de sanções entre a Lei de Improbidade Administrativa e a retroatividade das mudanças para beneficiar os réus, foram tratados, respectivamente, nos artigos “Princípio do non bis in idem na nova Lei de Improbidade Administrativa: uma evolução legislativa” e “Lei de Improbidade Administrativa é reformada e deve beneficiar os réus” deste Informativo. Entre as mudanças, porém, encontram-se alterações processuais relevantes, que serão abordadas neste artigo.
Do ponto de vista do legitimado passivo da Ação de Improbidade, com a mudança do art. 3º, §1º, os sócios, cotistas, diretores e colaboradores da pessoa jurídica não respondem pelo ato ímprobo, salvo no caso de haver participação e benefício direto, hipótese em que responderão nos limites de sua participação.
Ademais, com a inclusão do art. 8º-A, se a pessoa jurídica foi responsabilizada, os sócios responderão nas hipóteses de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão e cisão, devido à extensão do conceito de responsabilidade sucessória a essas hipóteses.
Nos casos de fusão e incorporação, porém, a obrigação de reparação integral do dano ficará limitada ao patrimônio transferido. E, se o fato ocorrer antes da fusão ou incorporação, não serão aplicáveis as demais sanções trazidas pela lei, tais como a proibição de contratar com o poder público, exceto se houver comprovada fraude ou simulação.
Em relação à legitimidade ativa, observa-se que, com a alteração do art. 17 da Lei nº 8.429/1992, que a União, os Estados, Municípios e Distrito Federal não poderão mais propor a Ação de Improbidade Administrativa, que passa a ser de exclusividade do Ministério Público. Exatamente por isso, o art. 3º da Lei nº 14.230/2021 estabelece que o Ministério Público terá o prazo de 1 (um) ano para manifestar interesse no prosseguimento das ações de improbidade que estiverem em curso e que tiverem sido ajuizadas pela fazenda pública, inclusive as que estão em grau de recurso, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito.
Ainda sob a ótica processual, foram revogados os §§ 8º e 9º, do artigo 17, da Lei nº 8.429/1992, extinguindo-se a fase especial de recebimento da petição inicial da ação de improbidade administrativa e, por conseguinte, a oportunidade de o Réu apresentar defesa prévia. Assim, em atenção ao princípio da duração razoável do processo, se a petição inicial estiver em ordem, o juiz mandará autuá-la e ordenará a citação dos Réus para que a contestem no prazo comum de 30 (trinta) dias, contados na forma do art. 231 do Código de Processo Civil.
A lei também trouxe alterações no prazo de prescrição da ação de improbidade administrativa. O art. 23 dispõe, agora, que o prazo prescricional será de 8 (oito) anos contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações que se protraem no tempo, do dia em que cessar a ação. As hipóteses de interrupção da prescrição estão descritas no § 4º deste dispositivo. O § 5º estabelece que, uma vez interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput do art. 23. Além disso, o § 8º dispõe sobre o dever do magistrado de decretar a prescrição intercorrente da pretensão sancionatória, imediatamente após a oitiva do Ministério Público, caso entre os marcos interruptivos referidos no § 4º, transcorra o prazo de quatro anos.
Vale destacar que as normas de caráter processual devem ser aplicadas imediatamente, inclusive aos processos que já se encontram em curso. Desta forma, já há discussão e controvérsia sobre a aplicação imediata do novo prazo prescricional e da prescrição intercorrente, conforme discutido nesse artigo.
Quanto à retroatividade ou não da prescrição intercorrente, o MPF, por meio da Orientação Normativa nº 12, da 5ª Câmara de Combate à Corrupção, entende que, por se tratar de matéria processual, sujeita-se ao princípio do tempus regit actum (art. 14 do CPC), sendo que os prazos do novo artigo 23, §4º, da Lei de Improbidade Administrativa, devem ser computados a partir da entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021. Também defende que a prescrição intercorrente não ocorre se a demora na solução do feito for imputável ao judiciário, pois a parte não poderia ser prejudicada em virtude disso (art. 240, § 3º, do CPC) (1) (2).
O Conselho Federal da OAB, no entanto, apresentou pedido de suspensão desta orientação no CNMP, arguindo, em síntese, que a prescrição intercorrente diz respeito a preceito inerente à segurança jurídica (3) (4).
As mudanças são significativas, razão pela qual faz-se necessário aguardar os contornos que serão dados a elas nos casos concretos, assim como os deslindes dos muitos questionamentos que estão se formando acerca da constitucionalidade de determinadas disposições.
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Gabrielle Aleluia
Coordenadora da Equipe de Contencioso Cível LMW do VLF Advogados
Ana Paula Graçano Dalpizzol
Advogada da Equipe de Contencioso Cível LMW do VLF Advogados
(1) BRASIL. Ministério Público Federal. Orientação Normativa nº 12. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/PGR00413785.2021Orientao12.20215CCRLIA.pdf. Acesso em: 25 nov. 2021.
(2) BRASIL. Ministério Público Federal. Câmara de Combate à Corrupção orienta membros do MPF sobre alterações na Lei de Improbidade Administrativa. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/5ccr-orienta-membros-do-mpf-sobre-alteracoes-na-lei-de-improbidade-administrativa/view. Acesso em: 25 nov. 2021.
(3) CFOAB. Ref. Orientação n. 12/2021 – 5ª CCR – Pedido de Liminar. In: HIGIDIO, José. Reclamação ao CNMP: OAB pede suspensão de orientação do MPF contra nova Lei de Improbidade. Consultor Jurídico, 17 nov. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/oab-suspensao-orientacao-mpf-lei.pdf. Acesso em: 25 nov. 2021.
(4) Metrópoles. Associações de advogados vão questionar nova lei de improbidade no STF. Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas/janela-indiscreta/associacoes-de-advogados-vao-questionar-nova-lei-de-improbidade-no-stf. Acesso em: 25 nov. 2021.