Impugnação à execução de instrumento contendo cláusula compromissória: motivo de extinção ou suspensão do processo?
Marina Leal e Aline Piteres
Como se bem sabe, a competência para dirimir conflitos decorrentes de contrato que possui cláusula arbitral é dos árbitros e não dos juízes estatais. Isso porque, com a cláusula compromissória, as partes afastam a competência do judiciário para decidir o mérito do litígio. Não obstante, caso o contrato seja um título executivo extrajudicial, preenchendo os requisitos previstos nos arts. 783 e 784 do Código de Processo Civil de 2015 (“CPC/15”) (1), faculta-se à parte recorrer ao judiciário para execução do instrumento, em busca da prestação devida, sem antes instaurar um procedimento arbitral em que se discutiria acerca da existência de seu direito (2).
Isso ocorre uma vez que a parte de “cognição”, ou seja, em que se debateria o mérito do que está sendo cobrado, estaria (pelo menos teoricamente) superada pelo fato de o documento ser um título executivo extrajudicial. Restaria, assim, apenas a parte executiva a ser cumprida. Como os árbitros não possuem poder de império (3), cabe ao Poder Judiciário executar as medidas necessárias para satisfazer a pretensão da parte autora, o exequente.
No entanto, caso o executado não concorde com o que está sendo cobrado, poderá impugnar a execução, nos termos do art. 525 do CPC/15. Em algumas hipóteses, isso pode significar a própria discussão do mérito da disputa (caso se discuta, por exemplo, a existência ou exigibilidade do débito cobrado). Nestes casos, quando as partes pactuaram que eventuais disputas seriam levadas à arbitragem, são os árbitros os sujeitos competentes para decidir a controvérsia. Assim, a discussão dos embargos à execução deverá ser feita na arbitragem, não no judiciário (4).
Com isso, questiona-se: o que deve ser feito com a execução judicial em que era feita a cobrança do débito impugnado?
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) analisou a questão no REsp 1.949.566/SP, cuja decisão foi publicada em 19 de outubro deste ano (5), e cujos embargos de declaração apresentados pelas partes foram rejeitados há poucos dias, em 15 de dezembro (6). Entendeu-se que, nestas hipóteses, a execução do título extrajudicial deve ser apenas suspensa, não extinta, uma vez que o art. 313, V, “a” do CPC/15 traz que o processo deve ser suspenso quando a sentença de mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”.
De acordo com a decisão, não se poderia aplicar o previsto no art. 485, VII do CPC/15 no caso (que prevê que o juiz não poderá analisar o mérito da disputa quando “acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência”) para extinção do processo. Tal artigo se referiria somente a hipóteses em que o motivo de extinção do processo seria a existência da convenção de arbitragem para dirimir o conflito da ação, visto que o juízo estatal não teria competência para analisar e julgar o caso. Na hipótese de execução do título, a existência da cláusula compromissória não seria razão para se interromper a execução, uma vez que o juízo estatal é competente para tanto. Com isso, decidiu-se pela suspensão do processo de execução até a decisão final dos embargos no procedimento arbitral.
O tema é de grande relevância prática para quem atua na área e a Equipe de Arbitragem do VLF está à disposição em caso de quaisquer dúvidas.
Marina Leal
Advogada da Equipe de Arbitragem e Contratos
Aline Piteres
Advogada da Equipe de Arbitragem e Contratos
(1) Art. 783. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;
II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;
III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
IV - o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;
V - o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução;
VI - o contrato de seguro de vida em caso de morte;
VII - o crédito decorrente de foro e laudêmio;
VIII - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;
IX - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;
X - o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;
XI - a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;
XII - todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.
§ 1º A propositura de qualquer ação relativa a débito constante de título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.
§ 2º Os títulos executivos extrajudiciais oriundos de país estrangeiro não dependem de homologação para serem executados.
§ 3º O título estrangeiro só terá eficácia executiva quando satisfeitos os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e quando o Brasil for indicado como o lugar de cumprimento da obrigação.
(2) Conforme consta, inclusive, no Enunciado 544 do Fórum Permanente de Processualistas: “Admite-se a celebração de convenção de arbitragem, ainda que a obrigação esteja representada em título executivo extrajudicial”.
(3) “É bastante comum ouvir dizer que o árbitro não tem poder de império, logo, em diversas situações deverá requerer ao juiz togado que o auxilie na efetivação de algumas medidas que se passam dentro do processo arbitral. O árbitro não tem mesmo poderes coercitivos. Não pode, por exemplo, praticar atos executivos; até porque o processo de execução e o cumprimento de sentença sempre se passam no Poder Judiciário”. BERALDO, Leonardo de Faria. A eficácia das decisões do árbitro perante o registro de imóveis. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 58, pp. 171-180, 2018, p. 174.
(4) STJ, REsp 1465535/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe 22/08/2016. Destaca-se que, nesse caso, entendeu-se que, como a discussão seria levada à arbitragem, o processo deveria ser extinto.
(5) STJ, REsp 1949566/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 19/10/2021.
(6) STJ, EDcl no REsp 1949566/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2021, DJe 15/12/2021.