Receita Federal: emissão da primeira declaração de compensação é o momento correto para oferecer à tributação o indébito a ser restituído, quando a decisão judicial não quantificar o valor
Henrique Coimbra
Desde que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 69 da repercussão geral, no julgamento do RE 574.706/PR, fixou a tese de que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins, outra controvérsia relevante surgiu: em que momento os créditos reconhecidos judicialmente nos processos propostos pelos contribuintes deveriam ser oferecidos à tributação.
O fato gerador do Imposto sobre a Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica (art. 43 do CTN). Por isso, há tempos se discute no Brasil quando o contribuinte deverá tributar recursos que lhe são restituídos em decorrência de medidas judiciais.
Antigo entendimento da Receita Federal, exposto nas Soluções de Consulta DISIT/SRRF06 nº 106/10, DISIT/SRRF10 nº 232/07 e DISIT/SRRF10 nº 233/07, estabelecia que o indébito tributário passa a ser receita tributável pelo IRPJ e CSLL na data do trânsito em julgado da ação de conhecimento. No entanto, em face de inúmeras decisões que não fixam expressamente valores a serem restituídos ou que são objeto de contestação pela Fazenda (embargos à execução de sentença), o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 25/03 previu outras possibilidades:
Art. 5º Pelo regime de competência, o indébito passa a ser receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído.
§ 1º No caso de a sentença condenatória não definir o valor a ser restituído, o indébito passa a ser receita tributável pelo IRPJ e pela CSLL:
I - na data do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução, fundamentados no excesso de execução (art. 741, inciso V, do CPC); ou
II - na data da expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos à execução.
Essa foi a definição da RFB para as ações ordinárias, em que se pede a devolução do tributo. No entanto, o trânsito em julgado do mandado de segurança não seria o marco temporal mais indicado para o reconhecimento dos créditos da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, em razão da iliquidez da sentença e da ausência de disponibilidade. O CARF também apresenta precedente nessa linha (1).
Para os contribuintes que optaram seguir com a restituição pela via da compensação administrativa, a divergência se acentua, pois há quem entenda que os valores devem ser reconhecidos: i) no trânsito em julgado (posição mais restritiva); ii) na habilitação do crédito; iii) na data da transmissão da declaração de compensação; ou iv) na data da homologação da compensação realizada.
A posição menos favorável ao contribuinte é aparentemente equivocada, pois no trânsito em julgado do mandado de segurança ainda não há qualquer liquidez da renda, que permita ao contribuinte dela dispor, seja do ponto de vista jurídico ou econômico, sobretudo porque a legislação federal determina como condição o ato jurídico da habilitação do crédito (art. 100 da IN RFB nº 1.717/17), sem o qual não se pode utilizá-lo.
Com a habilitação, torna-se possível ao contribuinte utilizar o crédito para adimplir débitos vencidos e vincendos, o que, para alguns, poderia sugerir a existência de disponibilidade jurídico e econômica dos valores.
Ao analisar a exigência de prévia habilitação dos créditos para fins de compensação tributária, a recentíssima Solução de Consulta Cosit nº 183, de 7 de dezembro de 2021, afirmou que essa formalidade em nada interfere no marco temporal da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores relativos a créditos decorrentes de ação judicial transitada em julgado.
O posicionamento considerou, ainda, que a habilitação tem por objetivo analisar os requisitos preliminares acerca da existência do crédito, de forma a evitar fraudes e abusos e garantindo, de modo preliminar, a viabilidade jurídica do crédito oponível à Fazenda Pública. Assim, o seu deferimento não implica reconhecimento do direito creditório. O efeito temporal que produz o procedimento de habilitação dos créditos é o de suspender, no âmbito administrativo, o prazo prescricional para apresentação de Declarações de Compensação, não se tratando de condição para que o direito creditório se incorpore ao patrimônio do sujeito passivo.
Na hipótese de compensação de indébito tributário decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado que não definiram os valores a serem restituídos, a Solução concluiu que o oferecimento à tributação da receita deve ocorrer na entrega da primeira Declaração de Compensação. Isso porque a liquidez dos créditos seria atestada apenas nesse momento, pelo próprio contribuinte, oportunidade em que ocorre a necessária identificação do montante do crédito, “sob condição resolutória de sua ulterior homologação”, nos termos do art. 74, § 2º, da Lei nº 9.430/96.
Não há dúvidas que o entendimento apresentado pelo Receita Federal é um avanço, haja vista os entendimentos anteriores que previam a tributação a partir do trânsito em julgado. Não obstante, apesar de transferida a incidência do tributo para o momento da primeira declaração de compensação, o contribuinte deverá efetuar o seu recolhimento nesse momento, mesmo que não compense a totalidade do crédito de uma vez. Assim, existem contribuintes que ainda terão que desembolsar grande quantidade de recursos para o pagamento do tributo, mas irão demorar muito tempo para aproveitar o crédito, seja em razão do elevado montante creditório ou do pequeno valor dos débitos federais que terá para recolher.
Nesse sentido, há ainda outra posição mais favorável ao contribuinte, que posterga o reconhecimento apenas para quando for homologada a compensação realizada pelo contribuinte. Esse entendimento considera o art. 101, parágrafo único, da IN RFB nº 1.717/17, que determina que “o deferimento do pedido de habilitação do crédito não implica reconhecimento do direito creditório ou homologação da compensação”.
Isto é, mesmo com o deferimento da habilitação e apresentação da Declaração de Compensação, não haveria qualquer anuência da RFB sobre o valor do crédito. Desse modo, o ato administrativo que defere a habilitação do valor do crédito ou a realização da compensação não seria capaz de tornar líquida a sentença transitada em julgado.
O raciocínio usa construções teóricas feitas em outros casos, mas que podem sugerir a correção desta posição, como uma decisão em que o STJ afirma que
a habilitação prévia revela-se mero juízo perfunctório quanto à existência do direito creditório. Traduz-se, então, na singela e expedita verificação quanto à plausibilidade do crédito que se pretende opor à Fazenda Pública, de forma a evitar fraudes e abusos. É, em síntese, um exame de admissibilidade, verdadeira busca do 'fumus boni iuris' que passa ao largo de considerações quanto ao mérito da compensação (verificação de pagamentos, bases de cálculo utilizadas, índices de atualização aplicados, glosas de créditos já utilizados, etc) (2).
Apesar do caráter definitivo do trânsito em julgado de decisão reconhecendo direito à compensação de indébito tributário, esse direito permanece mera potencialidade, inclusive contestável após o deferimento da sua habilitação.
Considerando a redação do art. 101, parágrafo único, da IN RFB nº 1.717/17, a realização do ganho pelo contribuinte seria praticamente certa somente quando o despacho decisório emitido pela autoridade fiscal homologando a compensação declarada pelo contribuinte. E, a partir desse ato, o contribuinte teria disponibilidade da renda para incidência do imposto, compensando definitivamente o crédito recuperado com os débitos que possuiu.
Os Tribunais Regionais Federais têm apresentado precedentes no sentindo de que o fato gerador do IRPJ ocorre somente no momento da homologação da compensação:
TRIBUTÁRIO. FATO GERADOR DO IRPJ, DA CSLL, DA CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS E DA COFINS. CRÉDITO COMPENSÁVEL ILÍQUIDO DECORRENTE DE DECISÃO JUDICIAL. FATO GERADOR DOS TRIBUTOS. NECESSIDADE DE HOMOLOGAÇÃO PELO FISCO DA COMPENSAÇÃO DO CONTRIBUINTE. CONCESSÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA. (TRF4, Apelação/Remessa Necessária nº 5012873-16.2020.4.04.7107, SEGUNDA TURMA, Rel. Des. Fed. RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 14/09/2021)
5. A sentença que declara o direito à compensação se constitui em título líquido e certo quando, ao declarar a existência de créditos compensáveis, já define o seu montante, permitindo, portanto a contabilização. Nesse caso, essa certeza é estabelecida pelo trânsito em julgado da decisão.
6. No entanto, antes de transmitir a declaração de compensação (“DCOMP”), instrumento pelo qual se aproveita os créditos reconhecidos pela sentença, o contribuinte deve formular um pedido administrativo de habilitação do crédito, na forma do art. 100 da Instrução Normativa RFB nº 1.717/2017.
7. Depreende-se, pois, que até a decisão administrativa que homologa a habilitação creditória do contribuinte, os valores reconhecidos pela decisão judicial não são certos, líquidos e exigíveis.
8. Dessa forma, à míngua da liquidez do crédito tributário reconhecidos nos mandados de segurança mencionados pela impetrante, a caracterização da disponibilidade jurídica ou econômica da renda como fato gerador do IRPJ e da CSLL, ocorrerá somente no momento da homologação da compensação pelo Fisco.
9. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TRF-3, AI nº 5010177-15.2020.4.03.0000, Rela. Desa. Fed. MARLI MARQUES FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20/07/2020)
Portanto, apesar de a medida mais adequada e segura seja seguir o posicionamento da Receita Federal, existem bons argumentos para defender o oferecimento à tributação dos créditos recuperados apenas após a homologação das compensações. Caso o contribuinte opte por ignorar a orientação exposta na Solução de Consulta Cosit nº 183/2021 e oferecer os referidos rendimentos à tributação apenas no momento da homologação da compensação, aconselha-se que seja ajuizada medida judicial a fim conferir mais segurança jurídica e evitar autuações.
A Solução de Consulta Cosit nº 183/2021 estabeleceu também que a receita decorrente dos juros de mora devidos sobre o indébito tributário deve ser oferecida à tributação no período em que for reconhecido o indébito principal que lhe dá origem. A partir desse momento, os juros incorridos em cada mês devem ser reconhecidos pelo regime de competência como receita tributável do respectivo mês.
Acontece que, no que diz respeito à incidência do IRPJ e CSLL sobre a taxa SELIC (juros de mora e correção monetária) recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário, em 24 de setembro de 2021, o Plenário do STF, através do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.063.187/SC (“RE 1.063.187/SC”) em sede de repercussão geral (tema 962), fixou o entendimento de que essa exigência é inconstitucional.
De acordo com a Corte Suprema, não há incidência de IRPJ e CSLL sobre juros de mora presentes na taxa SELIC, dada sua natureza indenizatória, nem sobre a correção monetária, também inclusa no referido índice, tendo em vista sua característica de preservação do poder de compra em face do fenômeno inflacionário.
Cumpre ressaltar que é bastante provável que haja pedido de modulação dos efeitos da decisão (já aventada em voto do Ministro Luís Roberto Barroso), o que indica que os contribuintes que não ajuizaram a ação antes da publicação da ata de o julgamento poderão estar sujeitos à diretriz dada pela Receita Federal.
Mais informações podem ser obtidas com a equipe de direito tributário do VLF Advogados.
Henrique Coimbra
Coordenador da Equipe de Direito Tributário do VLF Advogados
(1) REGIME DE COMPETÊNCIA — RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO — MOMENTO DO RECONHECIMENTO
Pelo regime de competência, o indébito não deve ser reconhecido como receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que não definiu o valor a ser restituído. (CARF, Acórdão nº 1201-000.178, Processo nº 10768.004792/2002-43, 1ª Turma, 2ª Câmara, 1ª Seção, sessão 30/09/2009)
(2) REsp 1.309.265/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 03/05/2012