Reforma da Lei de Improbidade Administrativa é questionada no Supremo Tribunal Federal
Matheus Emiliano, Bruno Fontenelle e Maria Tereza Fonseca Dias
Sancionada no último 25 de outubro, a Lei nº 14.230/2021 alterou diversos dispositivos da Lei nº 8.429/1992 que tratam da apuração, legitimidade de fiscalização e ritos processuais em relação à prática de atos de improbidade administrativa. Algumas destas alterações estão sendo questionadas por associações civis, especificamente, pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (“ANAPE”) e pela Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (“ANAFE”).
Entre as questões controvertidas, destaca-se o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 17, caput, e 17-B, caput, que, a partir do novo texto legal, estabeleceu a competência privativa ao Ministério Público para promover as ações de improbidade administrativa, bem como para celebrar os acordos de não persecução civil.
Por meio da ADI nº 7.042, a ANAPE alegou a inconstitucionalidade dos dois dispositivos adicionados à Lei de Improbidade Administrativa, sob a alegação de violação ao princípio da vedação ao retrocesso social, ao direito fundamental da probidade administrativa, aos princípios da administração pública, ao pacto federativo e à autonomia dos estados-membros.
A entidade argumenta, em síntese, que a subtração da legitimidade dos entes públicos para atuar nas ações de improbidade fere o disposto no art. 23, inciso I, da Constituição Federal, que estabelece a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para zelar pela guarda das leis e do patrimônio público, além de suscitar a violação ao art. 37, § 4º, também da Constituição Federal, por prejudicar a atuação da Advocacia Pública na defesa legítima dos entes lesados.
Conjuntamente, foi alegada a violação ao art. 132 da CF/88, que prevê a competência exclusiva para procuradores de Estado exercerem a representação judicial e consultorias jurídicas de seus Estados. Logo, no entender da ANAPE, não poderia a legislação infraconstitucional estabelecer competência exclusiva ao Ministério Público para celebrar os acordos de não persecução civil no âmbito das ações de improbidade administrativa.
Foi argumentado ainda que o Texto Constitucional, ao definir as funções institucionais do Ministério Público, no art. 129, determinou a competência privativa apenas para a promoção da ação penal pública (inciso I), e nas demais competências, como na promoção de ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social (inciso III), devem ser compartilhadas com a Advocacia Pública.
Assim, o entendimento da ANAPE é de que a limitação da participação dos próprios entes lesados nas ações de improbidade administrativa prejudica a proteção da coisa pública bem como a repressão aos atos ímprobos.
A ANAFE, por sua vez, distribuiu a ADI nº 7.043, também contestando a constitucionalidade das restrições de competências adotadas no novo texto da Lei de Improbidade Administrativa. Apontou terem sido infringidos dispositivos constitucionais, entre os quais destacam-se: art. 23, inciso I; 37, caput e §4º; 129, incisos I, III, IX e §1º, além dos arts. 131 e 132.
Em sua argumentação, a ANAFE destaca a intenção do legislador constitucional em estabelecer como norma geral a tutela aos princípios basilares da administração pública, com destaque para a moralidade administrativa qualificada, por meio da probidade. Ressaltou, ainda, a criação de diversos órgãos da administração pública para o combate às condutas ímprobas.
A ANAFE fez questão de ressaltar as ações adotadas pela AGU, na última década, com o intuito de se estruturar e de se especializar internamente para o exercício da defesa da probidade administrativa. Apresentou, neste contexto, o levantamento das ações de improbidade administrativa e seu vertiginoso crescimento nos últimos anos, destacando que a propositura dessas ações pode resultar na recuperação de recursos públicos, o que não seria possível sem essa atuação.
Assim, a ADI proposta argumenta que o fim do sistema cooperativo trará prejuízos ao combate aos atos ímprobos, ferindo o princípio da eficiência, considerando que o Ministério Público não possui estrutura suficiente para acompanhar com a profundidade necessária todos os casos de improbidade administrativa propostos pela AGU.
As duas ADIs também indicam a inconstitucionalidade do art. 3º, caput, da Lei nº 14.230/2021, que estabeleceu o prazo de 1 (um) ano, a partir da data de publicação da Lei, para o Ministério Público competente manifestar interesse no prosseguimento das ações por improbidade administrativa atualmente em curso, que foram ajuizadas pelos demais interessados, sob pena de extinção sem resolução de mérito dos processos.
O pedido de declaração de inconstitucionalidade do referido art. 3º baseia-se na violação ao art. 37, § 4º, da Constituição Federal, pois, segundo a ANAPE, “na medida em que este dispositivo constitucional disciplina o controle da probidade como um bem jurídico indisponível, isto significa que, uma vez ajuizada a ação, ao autor não é facultado desistir dela, devendo prosseguir até o fim”.
Por fim, foi questionado o §20, do art. 17, do novo regime da Lei de Improbidade Administrativa, que impõe à advocacia pública a atribuição de realizar a defesa judicial do administrador público que incorrer em ato de improbidade administrativa baseado em parecer emitido pelo órgão público.
Considerando o regime constitucional acerca da atuação das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, o artigo 132 da Constituição de 1988 não faz qualquer menção à função destes órgãos como responsáveis pela representação judicial ou extrajudicial de servidores nos casos de investigação por ato de improbidade administrativa.
Neste sentido, para que não haja violação ao pacto federativo (art. 18, da CF/88), argumenta-se que norma originada da União não poderia alterar a competência de órgãos dos Estados da Federação, cabendo ao próprio ente regular a questão caso entenda que deva, por meio do exercício do seu poder de auto-organização e de sua autonomia. A inconstitucionalidade alcança, inclusive, as dotações orçamentárias dos Estados e Distrito Federal, de modo que o alargamento das competências das Procuradorias Estaduais gera encargos aos Estados por meio de decisão unilateral da União.
Diante do exposto, conclui-se que as ADIs pretendem, precipuamente, manter as atribuições da advocacia pública, por meio das Procuradorias Estaduais e da AGU, nas ações de improbidade administrativa. As entidades defendem o trabalho já realizado e que se encontra em curso judicial, afirmando que a recuperação dos recursos financeiros alvo de ação de improbidade se dará de maneira mais eficiente com as ações judiciais se mantendo sob a tutela dos órgãos públicos que sofreram o dano, por meio da defesa técnica realizada pelas Procuradorias e pela AGU, no caso da União.
Matheus Emiliano
Trainee da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Bruno Fontenelle
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva e Coordenadora da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados