As hipóteses de cabimento da ação anulatória de sentença arbitral e a limitação da atuação do Poder Judiciário
Mariana Cançado Cavalieri e Sílvia Badaró
O artigo 33 da Lei de Arbitragem (1) autoriza à parte interessada que busque a tutela jurisdicional para ver declarada a nulidade de sentença proferida por Tribunal Arbitral, desde que observadas as hipóteses previstas no art. 32 da Lei nº 9.307/1996, que assim dispõe:
Art. 32. É nula a sentença arbitral se:
I - for nula a convenção de arbitragem;
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e
VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.
Quando bem manejada, a ação anulatória é importante via de controle do Poder Judiciário sobre a atividade dos árbitros e de regulação do instituto da arbitragem. O que muitas vezes se vê, porém, é uma aplicação disfuncional deste expediente.
Para que o manejo das anulatórias seja adequado, deve-se ter em mente que a Jurisdição Estatal não se confunde com uma espécie de “segunda instância” da jurisdição arbitral. O mero inconformismo com o que restou decidido na sentença arbitral, portanto, não pode ser causa para a anulação da decisão proferida pelos árbitros. A sentença arbitral só poderá ser anulada se restar configurada uma das hipóteses do art. 32 da Lei nº 9.307/96.
Isto é, a ação anulatória de sentença arbitral deve se ater aos limites previstos no artigo 32 da Lei de Arbitragem, que somente alcançam vícios formais do julgamento (error in procedendo). Qualquer situação que extrapole as possibilidades de anulação da sentença arbitral para ingressar no mérito da arbitragem (error in judicando) estará, consequentemente, extrapolando os limites da lide, em afronta à legislação processual (CPC, art. 141) e à Lei de Arbitragem (art. 32 e 33).
Como bem pontuado pelo Ministro Moura Ribeiro, da Terceira Turma do STJ, “o controle judicial sobre a validade das sentenças arbitrais está relacionado a aspectos estritamente formais, não sendo lícito ao magistrado togado examinar o mérito do que foi decidido pelo árbitro” (2). Até porque a sentença arbitral “é soberana no tocante ao julgamento de mérito, não se devolvendo ao Poder Judiciário qualquer competência para o exame de possíveis errores in judicando, seja no tocante ao exame dos fatos e provas, seja quanto à aplicação ou interpretação do direito material”. (3)
Essa limitação – necessária à manutenção do instituto da arbitragem – afeta o próprio processamento da ação anulatória, na medida em que obsta a produção de provas que visam a reincursão no mérito da sentença arbitral, seja em atenção à necessidade de indeferimento de provas desnecessárias à solução da lide, garantindo a obtenção do provimento jurisdicional em tempo razoável, seja em decorrência da impossibilidade de revisão do entendimento dos árbitros.
Ora, se verificados que os elementos probatórios colacionados aos autos do procedimento arbitral eram aptos e suficientes para elucidar a questão, a produção de novas provas no bojo da ação anulatória configuraria inarredável revisão do mérito da decisão arbitral pelo Poder Judiciário, o que não pode ser admitido. Nesse sentido, veja-se que até mesmo nos casos em que restar configurada ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa no bojo da arbitragem, essa circunstância ensejaria a anulação da sentença arbitral, nos termos do inciso VIII, do art. 32 da Lei nº 9.307/96, mas nunca a produção de novas provas no âmbito do Poder Judiciário.
Assim como ocorre no âmbito judicial, cabe exclusivamente ao árbitro definir um contraditório participativo, determinando a pertinência das provas para o deslinde da controvérsia e o momento em que se dará a sua produção. Este é, a propósito, o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) no julgamento do Recurso Especial nº 1.903.359/ RJ (4):
Especificamente em relação à fase instrutória e às provas a serem produzidas no procedimento arbitral, registre-se não haver nenhuma determinação legal para que seja observado o estatuto de processo civil, ainda que, porventura, se esteja diante de uma lacuna, uma situação não preestabelecida pelas partes ou pelo regulamento disciplinador da arbitragem.
Na fase instrutória desenvolvida no procedimento arbitral, de toda descolada do formalismo próprio do processo judicial, cabe ao árbitro, exclusivamente, definir, em um contraditório participativo, não apenas a pertinência de determinada prova para o deslinde da controvérsia, mas, em especial, o momento em que dará a sua produção.
Se demonstrado, portanto, que determinada prova tornou-se despicienda segundo os interesses das partes, não há que se falar em cerceamento de defesa e lesão ao princípio do contraditório (hábeis a ensejar a nulidade da sentença arbitral) pela negativa desta produção probatória, tampouco deve ser determinada a produção desta prova em Juízo, sob pena de se permitir intervenção indevida do Poder Judiciário.
Até porque, assim como ocorre no judiciário, o procedimento arbitral preza por uma postura cooperativa entre as partes e os árbitros, de modo que todos os atos processuais e decisões, ainda que cognoscíveis de ofício, somente devem ser exarados após a oitiva das partes, garantindo-lhes ciência a seu respeito. Assim, o indeferimento ou a não produção de determinada prova, por si só, não configuram violação à ampla defesa, notadamente se levarmos em consideração a costumeira atenção dos árbitros às pretensões das partes ou, ao menos, à postura externada por elas durante o procedimento arbitral.
Proteger o mérito da sentença arbitral e o entendimento dos árbitros é uma forma de garantir a autonomia de vontade das partes, as convenções estabelecidas entre elas e de preservar a confiança depositada no instituto da arbitragem e no julgamento que será feito pelo Tribunal Arbitral, devendo ser esta a postura adotada pelo Judiciário no processamento das ações anulatórias.
Mariana Cançado Cavalieri
Advogada da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Sílvia Badaró
Estagiária da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.
(2) STJ, Terceira Turma, AgInt no AgInt no AREsp 1143608/GO, Min. Rel. Ministro Moura Ribeiro, 18.03.2019.
(3) DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 236.
(4) STJ, Terceira Turma, REsp 1903359 / RJ (2018/0320599-9), Min. Rel. Marco Aurélio Bellizze, 11.05.2021.