A ação de responsabilidade civil contra acionista controlador
Alexandre Bianchini e Paulo Vítor Ângelo
Dando continuidade à série de textos publicados no Informativo VLF sobre as ações de responsabilidade civil previstas na Lei nº 6.404/1976 (“Lei das S.A.”), que abordou, inicialmente, a ação de responsabilidade civil contra administradores (1), e em sequência, o panorama jurisprudencial da responsabilização dos administradores em nosso País (2), apresentamos agora algumas considerações sobre a ação de responsabilidade civil contra acionistas controladores.
Ao contrário do que pode ser imaginado inicialmente, a adequação de determinado acionista (ou grupo de acionistas vinculados por acordo de voto) ao conceito jurídico de controlador não se dá, necessariamente, pela simples circunstância de possuir a maior parte das ações de emissão da companhia com direito ao voto, mas sim pelo enquadramento a uma série de requisitos previstos na Lei das S.A., em caráter cumulativo, vinculados ao efetivo exercício de comando sobre as atividades sociais. Seriam eles: (i) ser o titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações sociais; (ii) possuir o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e (iii) usar efetivamente o seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia (3).
Existem, assim, diversas maneiras de se formar o controle no âmbito de uma sociedade anônima, ainda que o acionista ou grupo controlador não detenha a maior parte do capital votante da companhia. Citem-se, como exemplos, os cenários em que a companhia possui grande dispersão acionária, ou mesmo aqueles em que há a definição de classes distintas de ações incorporando o direito ao voto plural (4).
Uma vez configurado o controle, o acionista ou grupo controlador ingressa em um regime jurídico próprio complementar àquele que lhe é imposto por sua simples condição de sócio. Passa, assim, a dever utilizar o seu poder de controle, considerado como uma espécie de “direito-função”, para fazer com que a companhia realize o seu objeto e cumpra a sua função social, possuindo o controlador deveres e responsabilidades adicionais frente à companhia e aos demais acionistas e stakeholders (5).
É nesse sentido que caso o acionista ou grupo controlador pratique atos com o chamado “abuso de poder”, utilizando de suas prerrogativas para tomar ou influenciar decisões em que tenha interesses próprios díspares dos da companhia controlada e de suas partes relacionadas, passa a poder ser responsabilizado civilmente pelos eventuais danos causados (6). A Lei das S.A. prevê uma série de condutas em que restaria configurado o exercício abusivo do poder de controle, destacando-se nesse sentido, em síntese, atos como: (i) tomar decisões contrárias ao interesse da companhia; (ii) obter vantagem indevida através de operações societárias, como fusões ou incorporações; (iii) eleger administradores sabidamente inaptos para a função; (iv) induzir os administradores à prática de atos ilícitos; (v) favorecer terceiros através de contratos com condições desiguais; dentre outros (7).
Embora a Lei das S.A. nada disponha sobre a legitimidade ativa para a proposição da ação de responsabilidade civil contra acionistas controladores em geral, no caso específico da ação de responsabilidade civil contra sociedade controladora, estabelece-se que a ação de reparação dos prejuízos causados à companhia deva ser originariamente ajuizada: (i) por acionistas que representem ao menos 5% (cinco por cento) do capital social; ou (ii) por qualquer outro acionista, desde que prestada caução pelas custas e honorários advocatícios incidentes na hipótese de a ação vir a ser julgada improcedente (8).
A definição de tais requisitos para o ajuizamento da ação de responsabilidade civil contra acionistas controladores é mecanismo estabelecido pela Lei das S.A. com vista a desencorajar o surgimento de lides temerárias, ao mesmo tempo em que a própria lei cuida de estimular o ingresso dos minoritários em juízo, ao determinar que, ao autor da ação, deva ser pago pela sociedade controladora condenada prêmio de 5% sobre o valor da indenização devida (9). Vale ponderar, em todos os casos, que julgados recentes demonstram atenção à necessidade de que aos minoritários seja garantido o pleno acesso à justiça, vide recente decisão proferida no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo:
E a razão é simples: o objeto da ação de ressarcimento não reside apenas no intento de retomar valores que, por conta da ação do controlador, tenham sido tomados ou retirados da esfera de disponibilidade da sociedade. Tem-se em mira, igualmente, o intento dissuasório. É nessa cadência que emerge a necessidade de se exigir a garantia, que, todavia, não pode ser fixada em valor tal que signifique a própria negação de acesso ao Poder Judiciário. (10)
Para que reste caracterizada a responsabilidade civil do acionista ou grupo controlador, não bastará a mera prática de ato que possa ser enquadrado como “abuso de poder”, mas também a apresentação de prova quanto à ocorrência de dano efetivo à companhia, que deverá ser concreto, atual e patrimonialmente ressarcível (11).
Vale anotar, por fim, que o ato praticado com abuso de poder não será, a princípio, suscetível de anulação. Passará a sê-lo, contudo, caso praticado pelo acionista ou grupo controlador no âmbito da assembleia geral, por meio do proferimento de voto em situação de “conflito de interesses”, assim entendido como o voto proferido pelo acionista nas hipóteses em que estaria proibido de votar, por se presumir, na deliberação, a existência de conflito efetivo entre os seus interesses e os da companhia (12).
Para mais informações sobre o assunto, consulte a equipe de Consultoria Societária do VLF Advogados.
Alexandre Bianchini
Advogado da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Paulo Vítor Ângelo
Advogado da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) VIDIGAL, Fernanda. As ações de responsabilidade previstas na Lei das S.A. Informativo VLF – 85/2021, disponível em: https://vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=957. Acesso em: 25 jul. 2022.
(2) CAMARGOS, Letícia; ROCHA, Pedro Ernesto. Responsabilização dos administradores e a Lei das S.A.: um panorama jurisprudencial. Informativo VLF – 88/2022, disponível em: https://vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=995. Acesso em: 25 jul. 2022.
(3) Lei das S.A., art. 116, alíneas ‘a’ e ‘b’: “Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.”
(4) BIANCHINI, Alexandre; ROCHA, Pedro Ernesto. Entenda como o voto plural pode ser utilizado para organizar a estrutura acionária de uma companhia. Informativo VLF – 93/2022, disponível em: https://vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=1048. Acesso em: 25 jul. 2022.
(5) Lei das S.A., art. 116, parágrafo único: “O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”
(6) Lei das S.A., art. 117, caput: “O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.”
(7) Lei das S.A., art. 117, §1º: “São modalidades de exercício abusivo de poder: a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional; b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente; e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral; f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas; g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade. h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia.”
(8) Lei das S.A., art. 246, §1º: “A ação para haver reparação cabe: a) a acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social; b) a qualquer acionista, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente.”
(9) Lei das S.A., art. 246, §2º: “A sociedade controladora, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, pagará honorários de advogado de 20% (vinte por cento) e prêmio de 5% (cinco por cento) ao autor da ação, calculados sobre o valor da indenização.”
(10) TJSP; Agravo de Instrumento 2261583-41.2018.8.26.0000; Relator: Araldo Telles; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem; Data do Julgamento: 07/12/2021; Data de Registro: 20/12/2021.
(11) EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. v. III. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 368.
(12) Lei das S.A., art. 115, caput e §1º: “O acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia. [...] §4º. A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.”