Stock Options: panorama jurisprudencial e proposta normativa
Letícia Camargos Ferraz e Pedro Ernesto Rocha
Para além do capital social e patrimônio (1), o capital intelectual de uma sociedade detém papel determinante no sucesso dos negócios, especialmente em cenário globalizado e competitivo, no qual as empresas enfrentam dificuldades na retenção de profissionais com as expertises necessárias para condução das atividades. Nesse contexto, as Stock Options (também chamadas como “Planos de Opção de Compra” ou “Plano”; o direito outorgado pelo Plano é chamado de “Opção de Compra”) surgem como ferramenta estratégica de governança, sendo utilizadas como forma de atrair e reter talentos e alinhar os interesses dos colaboradores com os objetivos de longo prazo das companhias (2).
As Stock Options, em síntese, são contratos que conferem aos beneficiários o direito de adquirir futuramente ações de uma companhia por preço determinado na data de outorga da opção (3).
Sobre o tema, a Lei nº 6.404/1976 (“Lei das S.A.”) dispõe que o Estatuto Social poderá prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado e de acordo com Plano aprovado pela assembleia geral, outorgue Opção de Compra de Ações a seus administradores, empregados ou pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou à sociedade por ela controlada (artigo 168, §3º) (4).
Por meio da Opção de Compra, portanto, o colaborador receberá o direito contratual de subscrever as ações da companhia em que atua, desde que respeitados os prazos, condições e requisitos prévios, valores para exercício e demais disposições a serem determinadas pelo Plano.
Sob o ponto de vista do beneficiário, as Stock Options são vantajosas pois o valor pelo qual as ações poderão ser adquiridas quando do exercício da Opção de Compra poderá ser menor do que o valor real das ações. Ato contínuo, a depender das condições do Plano, é facultado ao beneficiário posteriormente alienar as ações adquiridas, lucrando com a diferença positiva entre o preço da venda e o preço da aquisição (5) ou manter-se como acionista da companhia emissora, usufruindo de todos os direitos previstos aos acionistas detentores daquela classe de ações na companhia, como, por exemplo, o direito ao recebimento dos lucros e dividendos na forma da lei e do Estatuto Social. Por meio da emissão das Stock Options, portanto, os colaboradores se tornam ainda mais interessados no desempenho e no crescimento das sociedades em que atuam, haja vista que parte de seus rendimentos guardarão relação direta com o sucesso do empreendimento.
Em razão das vantagens estimadas aos envolvidos nos planos, as Stock Options são utilizadas globalmente há décadas. Contudo, a ausência de regulamentação específica no Brasil acaba por desestimular a utilização ampla desse mecanismo no ambiente empresarial do país.
A controvérsia acerca da natureza jurídica das Stock Options é o principal coeficiente da insegurança jurídica que permeia esse instrumento: afinal, os Planos de Opção de Compra têm natureza mercantil ou remuneratória?
Essa pergunta é importante, pois, para cada resposta, há diferentes consequências negociais, tributárias e trabalhistas que devem ser avaliadas anteriormente à implementação das Stock Options como ferramenta de gestão.
A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), a partir da Instrução CVM 80/2022 (6) apenas determina as informações sobre os planos de opção de compra que deverão ser disponibilizadas: os critérios e eventos que poderão ocasionar a suspensão, alteração ou extinção do plano; a data de outorga; o valor e as condições para aquisição de ações; os critérios para fixação do preço de aquisição ou exercício; e eventuais restrições à transferência das ações (7).
Na esfera tributária, a Receita Federal do Brasil (“RFB”) comumente defende que os ganhos decorrentes da opção são vinculados aos contratos de trabalho e, portanto, constituem parte do pacote remuneratório (8), o que atrairia a obrigação de recolhimento da contribuição previdenciária, do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (“IRRF”) e demais reflexos trabalhistas.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), por sua vez, tem julgados recentes acatando o aspecto mercantil das Stock Options caso sejam verificados alguns elementos, como a voluntariedade da adesão ao Plano, a onerosidade da subscrição das ações pelo colaborador e o risco inerente à opção de compra em razão da oscilação dos preços no mercado; características essas alheias às relações remuneratórias (9). Todavia, parte das decisões do CARF ainda são no sentido de que as opções de compra possuem natureza remuneratória, de modo que não há jurisprudência consolidada sobre o assunto.
Sob a ótica trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho (“TST”) possui entendimento de que as Stock Options têm natureza mercantil caso, simultaneamente, estiverem presentes as condições de voluntariedade, onerosidade e risco. Contudo, esse entendimento ainda não é unânime nas instâncias inferiores, que comumente decidem pelo caráter remuneratório dos planos.
Face às divergências, a matéria se tornou tema repetitivo no Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) em dezembro de 2023 (10). A questão submetida a julgamento pelo STJ a partir do Tema Repetitivo nº 1.226 é justamente a delimitação da natureza jurídica das Stock Options. A partir do julgamento, o STJ pretende decidir se as Stock Options são atreladas ao contrato de trabalho e compõem parcela da remuneração ou se são estritamente comerciais, bem como determinar a alíquota aplicável e o momento de incidência do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (“IRPF”) quando for o caso.
É nesse contexto de incertezas e contraposições que foi apresentado o Projeto de Lei nº 2.724/2022 (“Marco Legal das Stock Options”), que tem como objetivo a regulamentação dos Planos de outorga de Opção de Compra de ações.
Conforme a justificativa anexa ao Projeto de Lei nº 2.724/2022, o Marco Legal das Stock Options visa mitigar insegurança jurídica relacionada ao tema ao expressamente determinar o caráter mercantil dos planos (11).
O texto que está submetido à votação na Câmara dos Deputados (12), de início, já orienta que a opção de compra de participação societária outorgada seguindo os ditames do Projeto de Lei nº 2.724/2022 possui natureza exclusivamente mercantil e não se incorpora ao contrato de trabalho, de modo que não constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista ou previdenciário.
O Projeto de Lei nº 2.724/2022 também traz disposições específicas para endereçar e regulamentar os três aspectos comumente relacionados às Stock Options (voluntariedade, onerosidade e risco), sanando pontos usualmente controvertidos e trazendo maior esclarecimento acerca dos efeitos, consequências e possibilidades dos Planos de Opção de Compra, conforme é sintetizado abaixo.
Voluntariedade
(i) Os Planos de Opção de Compra deverão ser de livre adesão pelos beneficiários, que deverão ser definidos de forma específica e individual;
(ii) Os Planos de Opção de Compra deverão facultar a possibilidade de exercício total ou parcial das opções pelos participantes.
Onerosidade
(i) A onerosidade deverá estar presente no momento da aquisição e/ou exercício da opção, de modo que o Plano de Opção de Compra deverá prever o valor a ser pago pelo beneficiário;
(ii) Observada a onerosidade, o Plano poderá prever condições mais vantajosas aos beneficiários.
Risco
(i) O Plano de Opção de Compra poderá prever a necessidade de cumprimento de condições mínimas necessárias para o exercício do direito outorgado ou recebimento das opções, entre essas condições, o estabelecimento de metas e prazos de carência para exercício, sendo que o Projeto de Lei nº 2.724/2022 determina que o plano deverá prever no mínimo um período 12 meses entre a outorga da Opção de Compra e o exercício pelo beneficiário (o que é chamado de “vesting”);
(ii) O beneficiário apenas poderá alienar as participações societárias obtidas pelo exercício da opção após 12 meses (o que é chamado de “lock-Up”), salvo se for previsto de outra forma no Plano, o que pode implicar na variação do preço das ações;
(iii) A oscilação do preço de mercado das participações acionárias não implica em qualquer obrigação de ressarcimento ou indenização por parte da Companhia, de modo que o risco acerca da variação de preços entre a aquisição e a venda é de inteira responsabilidade do beneficiário;
(iv) O Plano de Opção de Compra poderá prever a possibilidade de recompra das ações outorgadas pela companhia outorgante, de modo que há risco de não exercício da Opção de Compra pelo colaborador.
Sob o ponto de vista societário, o Projeto de Lei nº 2.724/2022 esclarece que a propriedade plena das ações apenas estará configurada com o cumprimento das condições precedentes previstas no Plano e o consequente exercício da opção. Ato contínuo, expõe, de forma taxativa, que os beneficiários apenas terão direitos inerentes à condição de sócio a partir do efetivo exercício da opção, momento em que será concretizada a aquisição da correspondente participação societária.
Em relação ao tratamento tributário, o Projeto de Lei nº 2.724/2022 determina que o ganho auferido pelo beneficiário do plano estará sujeito à tributação do IRPF no momento da venda das participações societárias adquiridas em razão do exercício da sua respectiva opção. Em outras palavras, a única tributação incidente por ocasião da Opção de Compra seria, na verdade, em relação a eventual ganho de capital observado pelo beneficiário no momento da alienação da participação societária obtida via Stock Options, e a base de cálculo do tributo seria a diferença positiva entre o valor da venda da participação societária e o valor de aquisição das ações.
O Projeto de Lei nº 2.724/2022 foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal do Brasil em agosto de 2023 e, desde setembro de 2023, o texto está na Câmara dos Deputados para votação em caráter prioritário.
Por enquanto há, ainda, insegurança jurídica sobre a natureza do instituto, mas o panorama jurisprudencial atual e a iniciativa legislativa indicam para a definição pela natureza mercantil das Stock Options.
Letícia Camargos Ferraz
Advogada da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
Pedro Ernesto Rocha
Coordenador da Equipe de Consultoria do VLF Advogados
(1) Esse assunto foi abordado no Informativo VLF – 111/2023. CALAES, Gabriel; ÂNGELO, Paulo Vitor. Desvendando conceitos no direito de empresa: capital social e patrimônio. Disponível em: https://vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=2576. Acesso em: 13 mar. 2024.
(2) Diz-se “companhias” e “ações” ao decorrer deste Artigo pelo fato de que as emissões dos Planos de Stock Options são normalmente realizadas no âmbito das sociedades anônimas. Contudo, não há impedimento normativo para a utilização dessa ferramenta também pelas sociedades limitadas, a partir de contratos atípicos de opção de compra de quotas.
(3) SANJAR. Márcio Alves. Aspectos Jurídicos Societários dos Planos de Opção de Compra de Ações. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012 (Dissertação de Mestrado).
(4) BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm. Aceso em: 14 mar. 2024.
(5) SANJAR. Márcio Alves. Aspectos Jurídicos Societários dos Planos de Opção de Compra de Ações. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012 (Dissertação de Mestrado).
(6) COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Resolução CVM 80, de 29 de março de 2022. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol080.html. Acesso em: 18 mar 2024.
(7) Sobre a insegurança jurídica que permeia o tema, vale mencionar que até mesmo a CVM, por meio da Instrução CVM 323/2000, considerava que a “instituição de plano de opção de compra de ações, para administradores ou empregados da companhia, inclusive com a utilização de ações adquiridas para manutenção em tesouraria, deixando a exclusivo critério dos participantes do plano o momento do exercício da opção e sua venda, sem o efetivo comprometimento com a obtenção de resultados, em detrimento da companhia e dos acionistas minoritários” era uma modalidade de exercício abusivo do poder de controle de companhia aberta (artigo 1º, XII). A Instrução CVM 323/2000 apenas foi formalmente revogada em agosto de 2020, a partir da publicação da Resolução CVM 02/2020.
(8) Esse assunto foi abordado no Informativo VLF – 98/2022. MAAKAROUN, Laura. Julgamento na Câmara Superior do CARF estimula discussões sobre a tributação de stock options. Disponível em: https://vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=1218. Acesso em: 13 mar. 2024.
(9) Esse assunto foi abordado no Informativo VLF – 86/2021. PIMENTA, Marina Fernanda Brito. Em decisão tomada pelo desempate pró-contribuinte, CARF afasta o IRPF de ganhos obtidos por stock options. Disponível em: https://vlf.adv.br/noticia_aberta.php?id=972. Acesso em: 13 mar. 2024.
(10) SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Tema Repetitivo n.º 1.226. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1226&cod_tema_final=1226. Acesso em: 13 mar. 2024.
(11) Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9208027&ts=1695054542107&disposition=inline. Acesso em: 18 mar. 2024.
(12) Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2324818&filename=PL%202724/2022. Acesso em: 18 mar. 2024.